Copa pra quem?

Texto de Bia Cardoso e Jussara Oliveira.

Acabou a Copa do Mundo no Brasil e muitos se perguntam: qual o legado de um mega evento como esse? Entre vários, um que vimos com toda força é a coerção do estado policial. A polícia e o exército estiveram nas ruas do país em grandes quantidades para evitar os protestos e assegurar a “paz”. Paz para quem? Para quem é violentado pela polícia todos os dias nas periferias das cidades? Para as pessoas que foram despejadas por causa das obras de mobilidade da Copa?

Policial chuta manifestante durante protesto na Saens Peña (RJ). Foto de Marcelo Piu / Agência O Globo.
Policial chuta manifestante durante protesto na Saens Peña (RJ). Foto de Marcelo Piu / Agência O Globo.

Quando saiu a notícia de que o jogador Neymar não iria mais jogar na Copa em decorrência de uma lesão na coluna, muitos lembraram de Amarildo, jogador que em 1962 substituiu Pelé, impossibilitado de jogar após uma lesão. Porém, há mais de um ano as ruas gritam por Amarildo, o pedreiro que a polícia nega a existência depois de morto.

E, quando falamos em polícia, falamos na instituição repressora. Sabemos que cada policial é um ser humano, que tem sua vida, dificuldades, dúvidas e desejos. Que todos os dias encarna uma figura cada vez mais assustadora porque assim é instruído pelo Estado. O Estado de exceção que se orgulha de colocar tanques e utilitários apelidados de “caveirão” nas ruas. Porque a ordem é muito clara: matar.

Então, durante a Copa do Mundo vimos nas ruas tiros de pistola, manifestantes atacados, relatos de tortura, jornalistas feridos, advogados presos, moradores acuados. Tudo regado a muita truculência e violência policial. Afinal, as pessoas estavam imersas no grande espetáculo da Copa do Mundo, por que iriam se importar? O craque caído em campo, o ídolo que nos é tão familiar por causa das notícias constantes sobre sua vida e carreira, ganha mais destaque do que quem cai sem nome nas manchetes de jornais. Já vimos esse filme inúmeras vezes: o pedreiro desaparecido, a mulher arrastada, o garoto vítima de bala perdida, a mulher linchada. Quais os nomes dos oito operários mortos durante as construções dos estádios da Copa?

Enquanto a mídia discutia a atuação dos jogadores da seleção em campo, as estratégias de atuação da polícia e do legislativo foram caminhando. Desde o ano passado, no início da onda de protestos, estava claro que o objetivo da ação coerciva do Estado por meio da polícia nas ruas nada tinha a ver com dispersar manifestantes em protestos, como tanto falavam. Mas sim, de colocar medo e trazer a sensação de terror e insegurança para aqueles que buscam seus direitos. Houveram e continuam acontecendo diversos abusos de poder e ninguém foi responsabilizado, muito menos punido por nenhum deles.

Processos legais para a “investigação” e criminalização de manifestantes avançaram, os policiais receberam novos equipamentos de segurança e começaram a usar táticas de repressão de manifestações para desmobilizar protestos que ainda estavam por ocorrer, num movimento que impede nosso direito de livre manifestação, E, para garantir a atuação da policia em número e força fez-se uso, inclusive, das forças armadas prevista na nova Lei de garantia da lei e da ordem.

Para que o espetáculo terminasse de forma apoteótica, um dia antes da grande final da Copa do Mundo, ativistas ligados a protestos foram presos preventivamente. Quem olhar para os noticiários desse dia, descobrirá que Sininho é provavelmente nossa maior terrorista. Foi presa sob a acusação de negociar fogos de artifício por telefone. Afinal, todas sabemos que fogos de artifício são armas de destruição em massa, impossíveis de serem compradas em lojas do centro de qualquer cidade. E, mais que isso, ninguém liga para lojas para perguntar o preço de nada. Além de Elisa (Sininho), 17 detidos vão responder por formação de quadrilha armada.

Mesmo ficando cada vez mais dificil encontrar ou provar qualquer indício de violência ou vandalismo por parte dos manifestantes, porque eles mesmo buscam maneiras de se reinventar e fugir de ações diretas estigmatizadas, ainda assim as investigações são justificadas com acusações que envolvem formação de quadrilha armada e uso de explosivos em estações de metrô. Fora todas as violações de direitos humanos perpetradas. Afinal, somos um país que começou dizimando os que aqui viviam, os indígenas.

Em junho do ano passado, no auge dos protestos pelo país, os governantes e parlamentares acenaram com possíveis propostas para uma reforma política, diziam que estavam ouvindo as vozes nas ruas. Durante a Copa, os protestos foram bem menores, mas a violência da polícia aumentou, ignorando inclusive que muitas das ações estão sendo registradas e transmitidas ao vivo pela internet. Cinicamente, o governo se pronunciou dizendo que o direito a manifestação foi garantido. Prendendo previamente manifestantes? Permitindo que policiais não usem identificação, mas criminalizando o uso de máscaras pelos manifestantes? Não importam mais as vozes das ruas? Quem protesta contra a Copa não merece ser tratado da mesma maneira que o cidadão de bem que vai aos estádios?

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