Meus pedidos nesse 8 de março

Texto de Camilla Magalhães Gomes.

Querido papai noel,

Estou aqui apra fazer alguns pedidos nesse 8 de março. Há tanta fantasia, equívoco, piada, estereótipo nesse dia da mulher, que achei adequado falar com o senhor.

No dia da mulher, eu quero o que a gente quer todo ano:

– O fim das propagandas de produtos de limpeza com mães e donas de casa. Mais que isso: quero que o conceito de serviço doméstico seja (des)reconstruído. Que seja respeitado e valorizado, tanto para garantir os direitos das milhões de mulheres que exercem essa atividade como profissão, quanto também para as donas de casa que passam a vida recebendo beijo na testa em retribuição.

– Eu quero mulheres vistas e reconhecidas para além de sua “feminilidade” — whatever that means. Quero o fim da violência de gênero, em todas as suas formas. Quero igualdade salarial, descriminalização do aborto, aborto livre e seguro, direitos sexuais e reprodutivos, o fim da violência obstetrícia.

Mas, nesse dia “das mulheres” eu quero mais de todo/as e de nós mesmas.

De dia das mulheres esse ano eu quero ampliar o possível do “mulher”.

No trabalho 'Hymns from the Bedroom', o fotógrafo londrino Poem Baker faz retratos íntimos de jovens adultos que estão fora de padrões de gêneros, capturando momentos de sexualidade, criatividade e descoberta pessoal.
No trabalho ‘Hymns from the Bedroom’, o fotógrafo londrino Poem Baker faz retratos íntimos de jovens adultos que não seguem padrões de gêneros, capturando momentos de sexualidade, criatividade e descoberta pessoal.

Quero que travestis, mulheres trans* e pessoas não-binárias passem a fazer parte de vez de nossas referências. Que mulher não seja a redução de uma míriade de possibilidades em “mulheres brancas hetero e cissexuais”. De dia da mulher esse ano eu quero mais Glória Anzaldua, menos Catherine Mackinnon. Mais desconstrução e descolonização. Mais queer, mais travesti, mais índia, mais mestiça.

Quero que nós mesmas não sejamos veículos de opressão e possamos reconhecer os privilégios que por vezes ocupamos. Que nosso ativismo compreenda que não há “mulher” como ser único ou identidade única, a não ser quando reduzimos esse conceito à “mulher branca”.

Que possamos nos descolonizar, evitar universalizações e generalizações opressivas que fazem amalgamar — e não raro apagar — os tão amplos espectros da luta de mulheres: mulheres cis, mulheres hétero, mulheres homo, mulheres trans, mulheres bi, pessoas não-binárias, travestis, mulheres brancas, mulheres negras, mulheres indígenas, mulheres com deficiência. Que sempre tenhamos em mente que a lista que fazemos é limitada e temporária, sujeita à reconstrução constante que, na maioria das vezes, será determinada pela luta de outras que nos mostrarão o quão colonizante podemos ser.

Que seja o dia da dona de casa, da doméstica, da prostituta, da presidiária, da programadora, da mãe, da cientista, da que não sabe ainda o que quer, da estudante, da professora, da médica, da eu sou o que quiser, da que se define por tantos atributos de identidade que ser mulher é apenas mais um deles, da que se encontra no “mulher”, da que quer fazer implodir o conceito em sua performance, da butch, da sapa, da queen, da diva, da caminhoneira, da lady, da femme fatale, da modelos não me definem, da whatever, bitch!

Que o cor de rosa e a rosa sejam substituídos por glitter, arco-íris, roxo-rosa, azul/lilás/branco. Dentro e fora da nossa luta.