A vítima encarcerada

Texto de Cintia Raquel.

A posição que a mulher ocupa na sociedade faz com que ao longo de sua vida ela sofra diversos tipos de violência. Algumas violências são tão sutis e simbólicas que a maioria de nós sequer percebe que as sofre, indo desde o “cruze as pernas e se comporte como moça” ao “gostosa fiu-fiu” no meio da rua. Nessas horas, as mulheres parecem condenadas a serem bonecas passivas e a cumprir o destino imposto pela sociedade. Outras violências são percebidas, nem sempre, mas são palpáveis, como a violência física.

Por vários motivos, que não nos cabem julgar, quase nenhuma mulher procura uma delegacia no primeiro tapa. Isso pode parecer mais arriscado que a própria convivência com o agressor, diante da sociedade machista e do apoio quase zero do Estado. Na maioria das vezes para procurar uma delegacia, existiram várias discussões, vários tapas, socos, várias manchas que a maquiagem não podia mais tampar. E é quando ela se penteia, toda vaidosa, ou vai despenteada no desespero a procura de uma solução, que todos seus problemas parecem não ter fim. Quando uma mulher faz uma denuncia, na maioria das vezes sofre mais violência.

Sentimentos aprisionados. Foto de Eleni Papaioannou no Flick em CC, alguns direitos reservados.
Sentimentos aprisionados. Foto de Eleni Papaioannou no Flick em CC, alguns direitos reservados.

É heroico que uma mulher denuncie a opressão que sofre, porque é algo tão naturalizado que sequer a sociedade aceita como violência, muitas vezes excluindo do círculo social aquelas que denunciam. Quando oferecem algum apoio, encaminham a vítima para uma casa de apoio, o que muitas vezes pode ser uma forma de prisão. Mesmo sem cometer crime algum é maior o número de vítimas encarceradas do que de autores, é o machismo passeando pelas ruas e a vítima trancafiada em um quarto pelo medo, pela opressão, pela exclusão.

Somos milhares de vítimas encarceradas, reféns cada vez mais de seus companheiros (em sua maioria ex)  agressores. Temos medidas protetivas que não saem do papel e proteção nenhuma a nossa integridade física e mental. Temos que nos sujeitar as mais diversas formas de violências, cada mais vez mais invisíveis ao olho nu machista travestido de igualitário da sociedade, porque não encontramos solução.

Delegacias, audiências, fórum, Ministério Público já tratam nosso problema como algo corriqueiro de tanto que clamamos por ajuda, afinal se não morri até agora por conta da violência, é certo que não morrerei, pensam eles.

Enquanto o problema segue sem solução, sigo cumprindo pena privativa de liberdade por ter sido vítima de violência doméstica, ouvindo de todos os lados que a culpa é minha e que devo me resguardar. Parece um beco sem saída, um problema solução, um monstro invencível, mas é só o machismo.

Autora

Cíntia Raquel, 19 anos, blogueira, estudante de universidade pública, feminista, trabalhadora, que carrega um carma por ter uma vagina entre as pernas.