Texto de Bia Pagliarini.
Feminismo não é para mulheres certas, mais verdadeiras, mais revolucionárias que outras. Feminismo não é sobre estabelecer uma divisão estanque e apriorística entre diferentes mulheres, aquelas que estariam mais libertas das amarras de gênero e aquelas que estariam ainda alienadas. Feminismo não deveria servir para corroborar o discurso da legitimação de mulheres mais verdadeiras que outras através de um vetor cisnormativo.

Não existe possibilidade de estar “mais fora” do sistema de gênero e então alcançar a verdade da luta revolucionária. É justamente quando achamos que estamos pairando acima ou além do social é que estamos chafurdadas/os nele.
Justamente quando achamos que nós, por sermos feministas revolucionárias, descobrimos a verdade escondida sobre o gênero é que mora a armadilha. E com isso estabelecemos exclusões entre nós e as outras. A própria questão da verdade tem que ser problematizada no feminismo.
A verdade não está fora do gênero, não está fora do social, não está fora da luta. Não está fora do mundo.
Não existe verdade fora das relações de poder, tão bem pontua Michel Foucault. Contrapor uma “feminilidade verdadeira” (a das feministas e das mulheres cis) em relação a uma feminilidade tida como “glamorizada”, “artificial”, “delirante”, aquelas que são apontadas nas mulheres trans, é estabelecer um regime de verdade em que a transgeneridade é alocada numa posição de Outra de forma radical.
Ao contrário, desumanizar as pessoas trans através deste imaginário que toma as subjetividades trans como essencialmente “rasas”, “normativas”, “patriarcais” é próprio da transfobia. É culpabilizar uma Outra pela própria opressão de gênero.
Estabelecer critérios normativos para as resistências verdeiras, as identidades e subjetividades verdadeiras é uma forma de excluir sujeitos da luta. É higienizar e idealizar a luta.
Feminismo é a luta de todas as mulheres. Transfeminismo nos mostra que a luta de mulheres trans e travestis também é questão sim feminista.
Autora
Bia Pagliarini é estudante de letras, interessada na relação entre discurso e gênero. Transfeminista, revoltada contra o cistema. Esse texto foi publicado em seu perfil pessoal do Facebook em 20/04/2015.