Esse texto faz parte da coluna Mulheres e Política. Texto de Jussara Cardoso para as Blogueiras Feministas.
Ser ativista feminista intersecional e estudante de Ciência Politica nos dias atuais, pode ser desesperador e também muito gratificante. Desesperador, porque olhar para a história das mulheres na politica, é compreender “Como?”, “Por quê?” e “Por qual sistema político?” nós fomos excluídas do espaço político. E é gratificante por saber que é o feminismo que me trouxe essa nova perspectiva da política, essa nova maneira de estudar, aprender e ensinar política. É gratificante olhar a política de uma maneira que inclua as mulheres na história da política, mesmo que seja contando que sempre fomos excluídas dela.
Estudar ciência política com um olhar feminista intersecional é muito mais do que pesquisar a trajetória da busca por conquistas de direitos femininos dentro da politica, é também reconhecer privilégios que nos cercam dentro dessa história. Preciso reconhecer que tenho privilégios dentro da política, não por ser mulher, mas por ser branca, cis, classe média, magra, sem deficiência física, acadêmica e etc. Reconhecer nossos privilégios políticos é necessário para compreendermos “quem fica de fora”, “quem são as pessoas excluídas?”, “quem são as minorias políticas?”, ou seja, é se perguntar “Quem é diferente de mim recebe o mesmo tratamento político?”.
Neste ponto pergunto, que mulher a politica que está posta defende? Ou melhor, que tipo de mulher essa política que está posta defende? Considerando que 51,3% do eleitorado brasileiro são mulheres, e, que não chegamos nem a 10% dos cargos ocupados no legislativo, fica fácil afirmar que não temos uma representatividade política da população brasileira quanto ao gênero. Mas sim, que nossa representatividade na história política do Brasil é de uma cultura política majoritariamente masculina, patriarcal e machista. Além de machista, nossa política também é racista, por isso o recorte de identidade de gênero e racial é de extrema importância.
Dilma Rousseff e Marcela Temer são muitas vezes tratadas de formas machistas, misóginas e sexistas no cenário da política, mas assim como eu, carregam em suas peles e suas vidas muitos privilégios. Não por serem mulheres, mas por sermos brancas, classe média alta/ricas e etc. Um exemplo histórico de recorte de gênero e racial, é a primeira manifestação legal a respeito do combate ao tráfico de mulheres, o chamado Acordo Internacional para a Repressão ao Tráfico de Mulheres Brancas. Isso mesmo que você leu, o acordo fazia referência apenas a proteção de mulheres brancas.

No Brasil, o acordo se fez valer pelo DECRETO Nº 20.842, DE 22 DE DEZEMBRO DE 1931, que inicia dizendo: “O Chefe do Governo Provisório da Republica dos Estados Unidos do Brasil faz publica a adesão do Governo da Lituânia á convenção internacional relativa à repressão do trafico de mulheres brancas assinada em Paris, a 4 de maio de 1910 e ao acordo internacional para a repressão do tráfico de mulheres brancas firmado em Paris a 18 de maio de 1904, conforme comunicou ao Ministério das Relações Exteriores a Embaixada de França no Rio de Janeiro”. O objetivo desse acordo era de construir uma política que combatesse os fluxos migratórios de mulheres traficadas voltadas para exploração da prostituição, mas só as brancas.
Uma curiosidade que acho importante sobre o Brasil ter assinado esse acordo só em 1931, é que antes em 1921, ocorreu em Genebra outra Convenção Internacional de combate do Tráfico de Mulheres e Crianças. Esta teve uma preocupação maior em relação à conotação racial, buscando contemplar todas as mulheres, e não somente, as mulheres brancas, além de também incluir crianças. Ou seja, o Brasil se mostrando atrasado a muito tempo, nas questões raciais.
Compreender que existem inúmeras mulheres e principalmente entender nossos próprios privilégios políticos me fez refletir qual é o imaginário criado na política dos tipos de mulheres, e quais direitos são negados a cada especificidade/subjetividade nossas. Estendendo a reflexão para todas e todos, o que estaríamos ouvindo ou até mesmo falando se Dilma ou Marcela Temer fossem mulheres de descendência indígena, negra, japonesa, chinesa e etc? E se elas fossem travesti ou transexuais?
Enquanto Marcela Temer, Dilma, Gleisi Hoffmann e outras mulheres brancas na políticas são atacadas por serem mulheres, não podemos deixar de lembrar que as mulheres negras seguem fazendo parte de estatísticas estarrecedoras. São a maioria das vitimas em mortes maternas nos hospitais; as que recebem menor quantidade anestesia em partos; a maioria das vitimas de morte em decorrência de abortos clandestinos; a maioria no sistema prisional onde a cada três mulheres presas, duas são negras, dentro outras estatísticas. Dados que você pode saber acompanhando, lendo e ouvindo a militância das mulheres negras.
Quanto às mulheres transexuais e travestis que ficarem de fora da tipificação do Crime de Feminicídio aprovada em 2015, tem grande parte dos dados de assassinatos e violências subnotificados, por serem registradas as ocorrências como “homens” ou “homens gays”. Segundo dados de ONGs LGBTs, elas tem uma expectativa de vida de 35 anos, enquanto a média nacional para pessoas Brasileiras é de 78 anos. Sem contar que vivemos no país que mais se mata travesti e transexuais do mundo.
Pra não deixar de falar daquelas pessoas brasileiras que sempre são esquecidas, a população indígena brasileira resiste com dados que também são assustadores, só no período de 2007 a 2014, a cada 100 indígenas assassinados no país, 40 eram crianças. A ONU divulgou em 2010, um relatório que mostrava que uma em cada três mulheres indígenas é estuprada durante a vida. São inúmeras práticas discriminatórias que sofrem: violência domestica, casamentos forçados, estupros (principalmente na luta por terras), obstáculos de acesso a terra, limitações para organização e participação política principalmente devido aos diferentes idiomas, além das dificuldades geradas pelo patriarcado em algumas etnias, presente em suas comunidades e no País. Umas das ultimas noticia sobre os problemas que as mulheres indígenas enfrentam é o fato delas também passarem a ser alvos de publicação de seus corpos nus sem suas autorizações na internet.
Termino dizendo que a nossa Crise Política, não torna visíveis apenas as falhas nosso sistema político, também reflete problemas culturais políticos. Problemas estes como o machismo, misoginia, sexismo, racismo, LGBTfobia, xenofobia, capacitismo, gordofobia e etc. Aprendi que não podemos falar por todas, mas podemos lembrar sempre que precisamos ouvir aquelas diferentes de nós.