Texto de Julia Kumpera e Daniele Biscoito, Mulheres do Grupo Identidade.
Um relato sobre a II Caminhada de Mulheres Lésbicas, Bissexuais e Transexuais de Campinas – 25 de junho de 2016.
Você, sapatona, acha importante pautar a sua lesbianidade politicamente? Ou estamos falando apenas de expressão de um desejo individual?
Na sociedade em que vivemos, ser lésbica significa romper com o pressuposto da heterossexualidade (compulsória) e com o sexo centrado no falo. Ser lésbica escancara que sentimos desejo a partir do nosso próprio corpo e que não precisamos de um homem para ter orgasmos. Quando adentramos neste imenso mar que é a sexualidade lésbica, descobrimos que podem existir mil possibilidades de (re)inventar o sexo e que o desejo brota em qualquer parte do nosso corpo.
Entendendo a importância de valorizar e dar visibilidade às mulheres lésbicas e de escancarar nossa potência juntas, nos reunimos para a construção da II Caminhada de Mulheres Lésbicas, Bissexuais e Transexuais de Campinas/SP. Entendemos que este seria um importante momento para dar visibilidade às questões lésbicas, além de celebrar nossas ferramentas de resistência contra o cis-tema patriarcal. Este ano nossa homenageada foi a sapa-diva Cássia Eller!
Também nos moveu, é claro, a vontade de juntar todo o brejo campineiro para sapatear muito na cara da sociedade! Até então, havia acontecido apenas uma edição da Caminhada em Campinas e queríamos, em um projeto com mulheres de distintos coletivos, consolidar o evento como um espaço autônomo e de auto-organização de mulheres que lutam pelo respeito à diversidade sexual.
A nossa proposta foi criar um espaço de reivindicação feminista e trazer manifestações culturais feitas por lésbicas. Durante a concentração para a Caminhada, contamos com a presença maravilhosa do “Samba das Mina” que “é a nova sensação, só tem mulher e a maioria é sapatão”.
Começamos a marchar ao som das latas e tambores de uma batucada LesBi-feminista espontânea, nós mesmas produzimos o material batuqueiro e nos juntamos no dia para fazer barulho e cantar nossas palavras de ordem.

Ainda que tenhamos feito um trajeto curto, incomodamos muita gente com as nossas palavras de ordem contra a cultura do estupro, a favor do aborto, da autonomia sobre nossos corpos e de combate à violência contra as mulheres, e a valorização da beleza da diversidade sexual. A lesbianidade se colocava no espaço público através do conteúdo político da Caminhada. Portanto, não poderíamos deixar de lembrar da presença das companheiras de Ribeirão Preto, em luto e luta para que seja feita justiça pelo caso de Luana Barbosa, assassinada por policiais militares em um caso de lesbofobia e racismo.
“Com a Luana são mais de mil, eu quero o fim da PM no Brasil!”
O trajeto da Caminhada terminou na Praça do Sucão, tradicionalmente conhecida como a “praça LGBT” da cidade, onde aconteceu a Manifestação Sáfica, evento lésbico que compõe o Mês da Diversidade há 14 anos. Tivemos a presença do Maracatu Baque Mulher, Angélica Fatta, Marília Correa, Luana Hansen e Drika Ferreira. A Manifestação já está consolidada na agenda de luta de Campinas, portanto só agregou ao nosso evento com muita música produzida pela mulherada!
A realização da Caminhada só foi possível graças ao esforço de articulação política entre diversos coletivos: o Grupo Identidade, a Coletiva das Vadias, a Marcha Mundial das Mulheres, a Frente de Mulheres Negras de Campinas, o Coletivo Aos Brados, o Centro de Referência DST/AIDS e o Centro de Referência LGBT. Além disso, porque construímos uma forma autônoma de financiamento, já que contamos com pouco apoio institucional – a prefeitura disponibilizou uma estrutura de palco e som.
Realizamos uma festa LesBi-feminista, a “Breja no Brejo”, e coletivos/parceiros nos apoiaram financeiramente. A ideia era realmente dar outra cara para a Caminhada, que foi muito diferente da de 2015 — mais lésbica, feminista, autônoma e contestadora.
Acreditamos que os impactos da Caminhada foram muito positivos. Houve uma grande diversidade de pessoas marchando no dia, que fortaleceram as palavras de ordem com sua presença e voz. Alem disso, enquanto coletivo, foi uma experiência muito interessante de organização e articulação com outras mulheres. Ainda temos um longo caminho para consolidar a Caminhada em Campinas, este ano foi apenas mais um passo que demos nessa direção! E já que o mundo é cheio de sapatão, façamos juntas a nossa própria revolução!
Autoras
Julia Kumpera é aspirante à historiadora, sapatona feminista e acredita que a construção de alianças políticas entre mulheres é revolucionária, assim como o afeto e o cuidado entre nós. É militante do Grupo Identidade em Campinas e nos deseja lindas, livres e loucas.
Daniele Biscoito é militante lésbica e feminista da Coletiva das Vadias e do Grupo Identidade de Campinas.