Representatividade da mulher negra no mercado de trabalho

Texto de Luana Maria de Lima Oliveira para as Blogueiras Feministas.

É difícil ser pessoa negra numa sociedade racista,

É difícil ser mulher numa sociedade machista,

É quase impossível ser mulher negra num mundo do trabalho machista e racista.

Referência: Apesar de ser negra... o tributo pago pela mulher negra ao mercado de trabalho.

Antes de discutir o assunto, gostaria de contar um pouco da minha história que irá refletir o meu interesse sobre a tal representatividade da mulher negra no mercado de trabalho.

Eu me formei em direito no ano de 2015 numa turma de 35 pessoas, dentre as quais, 4 alunos negros. Passei toda a minha graduação sem realizar discussões sobre a questão racial ou igualdade de gênero, mesmo tendo uma grade curricular que continha matérias como direitos humanos, direitos sociais, direitos difusos e coletivos, etc. Ou seja, minha faculdade estava bem mais preocupada em incluir seus alunos no mercado de trabalho.

O impacto foi ainda pior quando comecei a estagiar em escritórios de advocacia e a representatividade era zero. Eu não conhecia advogados negros, eu era a única estagiária negra e atuei nessa época na área corporativa, ou seja, por várias vezes me perguntava se havia feito a escolha certa.

Eu não me via naqueles espaços, principalmente quando ia ao escritório com turbantes, tranças ou assumia meu black power. Era responsável por olhares ou comentários, por várias vezes me senti sozinha durante esses 5 anos de graduação.

Quando me formei, escutei que não tinha cara de advogada, mas minha “colega” branca ao lado tinha, deixei de usar meus turbantes, mudei minhas roupas para “tentar” ser mais corporativa, mas claro que isso passou longe de ser uma solução. Ai, eu me perguntei: O que é “cara” de advogada?

Isso me lembrou um trecho muito interessante que li no livro sobre vida da professora e ativista Lélia Gonzalez (Rios e Ratts, 2010, p. 63):

Um dos conceitos abordados por ela foi o de nomeação do sujeito --- quando se usam determinados termos para identificar os indivíduos. Vejamos um exemplo, dado por Lélia, a respeito de mulheres negras oriundas das classes populares que conseguiram ascender socialmente:

Nesse sentido, vale apontar para um tipo de experiência muito comum. Refiro-me aos vendedores que batem à porta da minha casa e, quando abro, perguntam gentilmente: “A madame está?” Sempre lhes respondo que a madame saiu e, mais uma vez, constato como somos vistas pelo “cordial” brasileiro. Outro tipo de pergunta que se costuma fazer, mas aí em lugares públicos: “Você trabalha na televisão?” ou “Você é artista” E a gente sabe o que significa esse “trabalho” e essa “arte”. (Gonzalez, 1986, 9.228)

Quando trabalhei com a primeira advogada negra foi uma emoção sem igual, me senti de alguma forma abraçada, coisa que nunca tinha sentido dentro do mundo da advocacia, melhor sensação ainda quando fui à primeira reunião da Comissão da Igualdade Racial da OAB/SP e pude ver colegas negros, mas poucos ao número de advogados que temos na cidade de São Paulo.

No mesmo livro sobre a vida de Lélia Gonzalez, destaco uma passagem que traduz essa situação: “Afirmação e reconhecimento fazem parte de um jogo de espelhos entre pessoas negras em processo de construção de sua identidade racial” (Rios e Ratts, 2010, p. 70).

Infelizmente, mesmo buscando outros espaços de militância, posso dizer que essa solidão ainda não passou, o mundo da advocacia continua sendo branco e elitizado, o dia a dia não é nada fácil!

Pensando nisso, imaginei quantas profissionais negras sentem essa solidão no mercado de trabalho; quando chegam, já que somos barradas no próprio processo seletivo.

Ao querer escrever sobre esse tema, me indaguei sobre o feminismo universal que luta pela equivalência de posição com os homens: Será que nós negras estamos dentro dessa pauta?

“Pela igualdade da mulher negra no mercado de trabalho”. Campanha de 2010 do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul.

Realizando esse recorte dentro do próprio feminismo, é possível constatar que chegar ao ensino superior — diante de todas as limitações sofridas pelo nosso povo — já é um desafio e tanto, imagine alcançar posições profissionais de destaque diante de todas as anulações que sofremos diariamente.

Os dados do IBGE revelam que nos últimos anos a participação da mulher negra no mercado de trabalho cresceu. Entre os anos de 2003 e 2010, a partir do governo PT, a participação de negros, nos quadros funcionais, aumentou de 23,4% para 31,1%. Nos cargos de supervisão, a evolução foi de 13,5% para 25,6%. Já no âmbito gerencial, a participação subiu de 8,8% para 13,2%. Entre os executivos, a proporção variou de 2,6% para 5,3%. Mas, no que tange aos salários, um homem negro ganha 30% menos do que um branco para executar as mesmas tarefas. As mulheres negras são ainda mais discriminadas no mercado de trabalho. No ano de 2007, as mulheres brancas ganhavam, em média, 62,3% do que ganhavam homens brancos, as mulheres negras ganhavam apenas 34%.

É importante frisar que houve mudanças significativas quanto ao acesso ao mercado de trabalho, no entanto, o número é baixíssimo comparado ao número de negros no Brasil, boa parte dessa população marginalizada pela ausência de políticas públicas. Isso fica bem claro, por exemplo, com a deslegitimação das políticas de inclusão, como as cotas raciais, é simplesmente mais uma forma de excluir diversas negras de oportunidades profissionais melhores e manter um mercado de trabalho branco, longe de líderes que possam influenciar outras mulheres.

E, quando já inserida dentro do campo profissional, você se depara como a única mulher negra, não é difícil escutar o discurso da meritocracia ou alegarem vitimismo diante de situações RACISTAS vivenciadas nesse ambiente.

Precisamos de mais mulheres negras como executivas, médicas, professoras, advogadas, cientistas, só assim será possível que outras mulheres se verem diante de referenciais negras. Não basta que as empresas criem políticas de inclusão racial somente visando o black money dos seus consumidores, mas não entenderem a importância da inserção dos negros no mercado de trabalho, tendo em vista nossa exclusão social desde o dia 14 de maio de 1888.

Chega de transformar a consciência racial em moda!

Eu espero que um dia me sinta mais representada na área jurídica, com muitas advogadas, promotoras e juízas negras, mas também que um dia possamos quebrar essa barreira de invisibilidade em todo o mercado de trabalho. A representatividade importa sim, é de alguma forma se sentir de mãos dadas com outras mulheres negras e amenizar a crueldade de não se enxergar em diversos setores da sociedade racista que vivemos.

Resistiremos!

Referência

Lélia Gonzalez por Alex Ratts e Flavia Rios – São Paulo: Selo Negro, 2010 – (Retratos do Brasil Negro/ coordenado por Vera Lúcia Benedito).

Autora

Luana Maria de Lima Oliveira é filha de nordestinos, negra, advogada, feminista interseccional, socialista, periférica e acredita no poder das palavras.