Uma carta de amor para minha irmã na era Trump

Texto de Barbara Sostaita. Publicado originalmente com o título: “A love letter to my sister in the Trump era”, no site Feministing em 16/11/2016. Tradução de Ana Cristina para as Blogueiras Feministas.

Para minha querida irmã na luta,

A última semana tem sido difícil e você não se lembra de ter se sentido assim alguma vez. Claro, você já foi discriminada antes — e com frequência. Você já teve seu coração partido por este país muitas vezes. Você parou de acreditar no excepcionalismo americano há anos. Você tinha ficado desiludida e desencantada com o sonho americano muito antes do período das eleições ter começado. Mas você nunca se sentiu tão desamparada. Você nunca se sentiu tão desesperançada. Você não consegue explicar porque é diferente desta vez. E nem precisa.

“Nós já passamos por coisas piores”, alguns dizem numa tentativa inútil de te confortar. Mas você bem sabe. Você sabe quantos de seus ancestrais não sobreviveram ao colonialismo europeu. Ou ao (neo)imperialismo. Ou às conquistas. Ou à escravidão. Ou ao genocídio. Ou então aos golpes apoiados pelos Estados Unidos, aqueles que fizeram seu tio desaparecer e que apagou quaisquer traços da existência dele da face da Terra — que agora o contabiliza como mais um dos milhares de desaparecidos. Você sabe que a sua gente ainda está sofrendo e que ela continua morrendo. Quem sobreviverá nos Estados Unidos da Amerikka?

“Agora, temos que nos unir para apoiá-lo”, as pessoas dirão, “não temos outra saída”. Mas você, hermana, estuda na escola de Assata Shakur, que disse: “historicamente, ninguém jamais conseguiu liberdade recorrendo aos princípios morais daqueles que estavam os oprimindo”. Você defende essas palavras agora, mais do que nunca. Assata e Angela te ensinaram. Você sabe que “liberdade é uma luta constante”, e você vem lutando toda a sua vida. Você se recusa a esquecer das palavras de Audre: “Não sou livre enquanto qualquer outra mulher estiver presa, ainda que as amarras dela sejam muito diferentes das minhas”. Essas são quem você escolhe apoiar, suas irmãs na luta: as esquecidas, as desprezadas, as desalojadas, as revogadas, as menos respeitadas, as mais vulneráveis.

Na última semana, você ouviu variantes de “não lamente, planeje-se!” e “chorar não vai mudar nada” incontáveis vezes. Disseram para você sentir menos e (re)agir mais. Essas pessoas que estão fiscalizando suas emoções e reprovando sua (suposta) inércia são as mesmas pessoas que contam com você para a gestão emocional delas — procuram você quando querem ser confortadas, quando precisam de apoio e conselhos; e são elas que estão te dizendo para parar de chorar, de sentir e de lamentar. Elas não entendem que suas lágrimas são sua forma de agir. Sua raiva não precisa ser “produtiva”. Sua fúria é o suficiente. Sua habilidade de sentir tão intensamente é o seu maior ponto forte.

Mulher não-branca, mulher ousada, mulher corajosa. Mulher imigrante que enfrentou o deserto para estar aqui. Mulher muçulmana que sempre encontra uma maneira de levantar após a queda. Mulher negra que aprendeu a cuidar da própria ferida e fazê-la cicatrizar quando o mundo disse que você não era merecedora. Mulher queer cuja própria existência é um ato de resistência. Os dias à frente serão sombrios. Serão dias difíceis. E não há como dourar a pílula. Mas hoje você me inspira. E eu quero que você saiba que eu vejo você. Eu vejo sua beleza. Eu vejo sua força. Eu vejo sua luz. Obrigada por brilhar.

Autora

Barbara Sostaita é estudante de doutorado na Universidade da Carolina do Norte. Escreve sobre imigração, movimentos sociais transnacionais e feminismos latinos. Twitter: @BarbaraSostaita.

Créditos da Imagem: Novembro/2016. Estudantes protestam contra a eleição de Donald Trump na Universidade da Califórnia. Foto de Elijah Nouvelage/Reuters.