Texto de Alice Girassol para as Blogueiras Feministas.
Abuso sexual infantil é um crime que deixa sequelas visíveis e aparentes nas vítimas, não fisicamente, mas pelos sintomas emocionais que são apresentados. As pessoas que nada sabem julgam aquela mulher aparentemente desajustada.
Eu vivi muitos anos me sentindo uma pessoa desequilibrada e fora do normal. Eu batalhava a cada dia contra os sentimentos de ódio, acessos de fúria, momentos de choro repentino e agressões verbais contra qualquer pessoa que me inflamasse. Eu vivia com todos os sentimentos negativos na superfície, prontos a explodirem a qualquer momento.
No entanto, eu negava de mim mesma que a causa para aquele desequilíbrio emocional era o abuso sexual que eu tinha sofrido na minha infância. Era mais fácil acreditar que eu era uma pessoa desajustada do que buscar ajuda para me curar.
Como eu já tinha passado por terapias com alguns psicólogos sem haver qualquer melhora, eu terminava achando que nunca haveria uma solução para o meu desequilíbrio de emoções.
Tudo mudou quando eu atingi um nível tão insuportável, que eu percebi que ou eu buscava ajuda para me tratar, ou eu desistiria da vida.
Durante alguns anos, o suicídio parecia a única solução, pois eu não acreditava que eu poderia me curar dos sintomas de que algo estava muito errado comigo.
Infelizmente, a falta de preparo de psicólogos para trabalhar os sintomas do abuso sexual é gritante. O assunto é tratado com muitos mitos e crenças falsas. Ou é minimizado por ter ocorrido em um passado distante.
O desequilíbrio emocional surge por não termos desenvolvido a nossa personalidade de maneira sadia. Houve uma interrupção no nosso desenvolvimento e, como crianças, nós não soubemos lidar com isso.
Quando eu comecei a me tratar, percebi que eu nunca fui uma pessoa desequilibrada ou desajustada. O que eu tinha era um trauma angustiante negligenciado. Um trauma que gerava reações de autoproteção. Toda a raiva e acessos de fúria que eu manifestava eram a maneira que eu encontrava para tentar me proteger de situações ameaçadoras. Naquele estado, qualquer situação era ameaçadora para mim, até mesmo fatos corriqueiros que não saíam como o esperado.
Eu me tratei e todas as emoções voltaram ao devido equilíbrio. As reações negativas a fatos do cotidiano deram lugar à sensatez e à tranquilidade. Não mais agrido verbalmente as pessoas nem tenho acessos de choro.
O desequilíbrio interior teve uma causa. E para esta causa houve uma cura.
Autora
Alice Girassol sobreviveu a três anos de abuso sexual na infância, uma tentativa de suicídio e um estupro na vida adulta. Curou-se dos males profundos e hoje é uma mulher feliz e realizada. Escreve em seu blog no Medium.
Imagem: Foto de Markus Meler no Flickr em CC, alguns direitos reservados.