A trajetória de exclusão da educação feminina no Brasil

Por Tati Andrade para as Blogueiras Feministas.

Apesar das conquistas femininas ao longo da história brasileira, alguns pontos continuam maquiados na luta por direitos na área da educação.

A história da mulher brasileira, como a de tantas no mundo, é marcada pela ordem patriarcal familiar que, legitimada pela religião e pelo Estado, transmitiu o silenciamento do feminino em todas as esferas sociais. Desde menina, a mulher era ensinada a ser mãe e esposa; sua educação limitava-se a aprender tarefas estritamente domésticas sem qualquer participação na vida urbana. Sua circulação em espaços públicos só acontecia em ocasiões especiais e ligadas as atividades da igreja como missa, procissão e afins. Na obra 500 anos de educação no Brasil, uma coletânea com 24 artigos, Arilda Ines Miranda Ribeiro apresenta um texto intitulado “Mulheres Educadas na Colônia” em que afirma que, no início da história do Brasil, a mulher carregava o estigma da fragilidade e imbecilidade. No ensaio, ela declara que o sexo feminino fazia parte do chamado “imbecilitus sexus” a qual também pertenciam os doentes mentais e as crianças.

Durante 327 anos – de 1500 a 1827, a educação brasileira era permitida somente a homens. Mulheres brancas, negras, indígenas, ricas ou pobres, de qualquer faixa etária, eram proibidas de estudar. Alguns autores chegam até a dizer que a primeira reivindicação pela instrução feminina partiu dos indígenas brasileiros. Segundo eles, os índios haviam solicitado ao Pe. Manuel da Nóbrega que instruísse também as mulheres. Para os indígenas, a mulher era vista como sua companheira, não havendo justificativa nas diferenças que as mantinham ignorantes. O trabalho e o prazer do homem, como o da mulher indígena, eram considerados equitativos e socialmente úteis. Visto que as mulheres indígenas eram muito devotas, o padre decidiu enviar uma carta a Portugal pedindo licença para instruí-las também, porém o pedido foi negado pela então rainha, Dona Catarina.

Apesar da proibição ao estudo, no ensaio “Mulheres Educadas na Colônia”, a autora sustenta que algumas indígenas conseguiram burlar a regra. Ribeiro cita a índia Catarina Paraguassu, também conhecida como Madalena Caramuru, que parece ter sido a primeira brasileira a ler e escrever. Diz-se que no dia 26 de março de 1561 ela escreveu uma carta de próprio cunho ao Pe. Manoel da Nóbrega.

Efetivamente, até a nossa independência, a única alternativa para mulheres escaparem do analfabetismo eram os conventos, sobretudo os europeus, que elas não hesitavam em ir apesar da longa e arriscada viagem. Entretanto, essa decisão ao celibato não era uma escolha exclusiva da mulher. Ribeiro reitera que, muitas vezes, essas moças eram mandadas para lá pelos pais, quando eles geravam muitas filhas, e temendo a divisão de suas propriedades com os futuros genros, as enviavam a essas instituições; elas também eram despachadas pelos maridos traídos ou os que pensavam em trair; e pelos irmãos, que no momento da partilha da herança preferiam não repartir os bens com suas as irmãs. Percebe-se então que os conventos também eram usados como prisões para essas jovens filhas de pessoas influentes, senhores de engenho, capitães-mores e marechais de campo.

EDUCAÇÃO, SIM; INSTRUÇÃO, NÃO

A história diz que a educação feminina no início do Brasil era em casa voltada especificamente para as atividades domésticas. Somente em meados do século XIX que a participação feminina iniciou-se, timidamente, pois os colégios destinados a mulheres eram particulares e somente as meninas ricas tinham acesso. Foi só em 1827 que o ensino público e gratuito foi sancionado no país e enfim as mulheres adquiriram o direito à educação. Mesmo assim, percebemos que desde a sua implantação a exclusão dos negros e da maioria da população era evidente.

As mulheres até podiam frequentar as aulas, mas sua educação era opressora e segregada. Isso porque além das escolas apresentarem currículos diferentes para homens e mulheres, o ensino superior era proibido para elas. A lógica patriarcal insistia no pensamento de que “as mulheres deveriam ser mais educadas do que instruídas”, ou seja, a ênfase deveria ser na força moral, na constituição do caráter, sendo suficientes pequenas doses de instrução intelectual. Conta-se que era muito comum a utilização de um versinho pelos homens, que dizia: “mulher que sabe muito é mulher atrapalhada, para ser mãe de família, saiba pouco ou saiba nada”.

Pode-se perceber que com o passar do tempo raras mudanças ocorreram no que se refere a educação feminina. As limitações típicas da cultura patriarcal brasileira e a péssima qualidade estrutural do ensino público permaneceram as mesmas, sendo necessárias muitas lutas até os dias atuais para que haja, na prática, a equiparação dos papéis sociais de ambos os sexos.

CONHECER PARA COMBATER

Ler sobre esse assunto precisa servir, não apenas para conhecer a trajetória da exclusão das mulheres na educação e no ensino público, mas principalmente para usar esse conhecimento no combate efetivo às implicações dessa exclusão. Embora as mulheres tenham conseguido importantes conquistas com relação ao voto, divórcio e proteção – no caso de violência doméstica, antigas demandas continuam em aberto. Hoje, por exemplo, as mulheres podem estudar e trabalhar, mas até que ponto vai essa conquista já que além de ser estudante e manter uma carreira profissional, ela continua ficando com a responsabilidade de cuidar do marido, dos filhos, da casa e, tudo isso, sem deixar de cultivar a famigerada “beleza feminina”? Dessa forma, parece que grande parte das vitórias são “conquistas dissimuladas”, que não só mantém o modelo patriarcal, como lhe dá novas maneiras de oprimir.

Parece simplista, mas para avançarmos verdadeiramente nas pautas feministas como no caso do aborto; da culpabilização das vítimas; do combate a padronização da beleza; solidão da mulher negra; da ascensão de mulheres na política, nos meios de comunicação e na liderança de empresas – além, é claro, da equiparação salarial; precisamos focar no processo educativo.

Ora, enquanto a educação não se tornar libertadora, emancipatória e não sexista continuará existindo a hierarquização entre o masculino e o feminino, as desigualdades de gênero e a violência do Estado. O processo de desconstrução precisa de uma escolarização que não traga mais as concepções estereotipadas, excludentes e binárias reproduzidas até então. Ou seja, como o machismo é uma construção social que se estrutura no binômio dominação-exploração da mulher, é preciso que esse ciclo seja quebrado, e somente a educação possui essa força transformadora.

Referências

[+] Estatísticas de Gênero mostram como as mulheres vêm ganhando espaço na realidade socioeconômica do país.

[+] RIBEIRO, Arilda Ines Miranda. Mulheres Educadas na Colônia. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FILHO, Luciano Mendes de Faria; VEIGA, Cynthia Greive (Orgs.). 500 Anos de Educação no Brasil. 2. ed. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 2000, p. 79-94.

[+] TOMÉ, Dyeinne Cristina; QUADROS, Raquel dos Santos; A educação feminina durante o Brasil colonial (.pdf). In: Anais da Semana da pedagogia da UEM, 1, 2012, Maringá.

MELNIKOFF, Ricardo André Aires; MELNIKOFF , Elaine Almeida Aires. Professora, professorinha primeira profissão que legitima a mulher do século XIX (.pdf). In: IV Congresso Sergipano de História & IV Encontro Estadual de História da ANPUH/SE o Cinquentenário do Golpe de 64. Out, 2014.

Autora

Tati Andrade é beletrista formada pela Universidade Federal do Paraná com mestrado em aquário. É educadora há mais de 10 anos e leciona para todas as séries, do Ensino Fundamental II ao Ensino Superior. Passa grande parte do tempo pesquisando a respeito dos laços, enleios e deslindes entre Literatura, Questões de gênero e Educação enquanto acaricia uma pinscher, come paçoca, toma chimarrão e lê “textões” de mulheres e sobre mulheres.

Créditos da imagem: São Paulo, 1895. Aula de costura para meninas. Fonte: Arquivo Público de São Paulo.