“Sou uma mulher negra, mas antes disso tenho falado muito que antes de reivindicar e compreender o que era ser uma mulher negra no mundo, eu já era favelada. Nascida e criada na Maré, pra quem não é do Rio, é um Complexo de dezesseis Favelas, Complexo porque é um aglomerado e não porque aquele lugar seja mais complexo que outro na cidade, já que estamos falando de uma favela imersa nesse Rio de Janeiro que, portanto, é tão complexa quanto outros bairros”. Marielle Franco em entrevista a Revista Subjetiva.
A complexa e absurda relação entre a política, a polícia e o crime organizado do Rio de Janeiro nos levou Marielle Franco, 38 anos, assassinada no centro do Rio na saída de evento que reunia ativistas negras. Uma das vereadoras mais votadas nas eleições de 2016, eleita com 46,5 mil votos. Vinha construindo um mandato pautado na defesa do Direitos Humanos, na luta contra o genocídio negro e em propostas que beneficiam mulheres como mudança nos horários de creches e a luta pelo direito ao aborto legal nos casos previstos em lei.
Há indícios de que as mortes de Marielle e do motorista Anderson Pedro Gomes foram uma execução. Em 28 de fevereiro, Marielle Franco havia assumido a relatoria da Comissão da Câmara de Vereadores do Rio criada para acompanhar a controversa intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Ela vinha se posicionando publicamente contra a medida. Além disso, no início do mês, junto com o coletivo Papo Reto, Marielle denunciou a morte de dois jovens e a truculência policial durante operações na Favela de Acari, na Zona Norte do Rio. A vereadora compartilhou uma publicação em que comenta que os rapazes foram jogados em um valão: “Precisamos gritar para que todos saibam o está acontecendo em Acari nesse momento. O 41° Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro está aterrorizando e violentando moradores de Acari. Nessa semana dois jovens foram mortos e jogados em um valão. Hoje a polícia andou pelas ruas ameaçando os moradores. Acontece desde sempre e com a intervenção ficou ainda pior”, escreveu.
Enfrentar a polícia e a política tradicional custou a vida de Marielle e custa a de tantas outras pessoas diariamente no Brasil. As primeiras notícias da investigação mostram que foram disparados pelo menos 9 tiros no carro e 4 acertaram a cabeça da vereadora. Nada foi levado. Um crime cometido no centro do Rio de Janeiro, logo após um evento, numa área movimentada onde haviam pessoas em bares próximos. O recado está dado: a mulher negra que saiu da favela para a Câmara Legislativa foi morta para intimidar quem discorda e denuncia o genocídio negro do Estado, quem luta por Direitos Humanos, quem acredita e luta por um mundo com menos desigualdade social.
O recado está dado e nós escutamos. Ser mulher, negra, da favela, e ousar levantar a voz para denunciar a violência policial e o fascismo crescente da política nacional é sentença de morte. O recado está dado, nós escutamos, nós entendemos. E não recuaremos, não nos calaremos, não aceitaremos desculpas, nem esperaremos pelo fim das investigações. Para nós, a morte de Marielle deixa claro que a ocupação das favelas pelo exército deve terminar imediatamente, que a desmilitarização da polícia já deveria ter sido implementada e que o poder executivo usurpado em 2016 deve ser deposto agora. A morte de Marielle deixa transparente e cristalina a cara fascista da ditadura que governa o Brasil.
Marielle se formou pela PUC-Rio com bolsa integral e fez mestrado em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com foco nas UPPs. Ela coordenou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), ao lado do deputado Marcelo Freixo. A ativista decidiu pela militância em direitos humanos após ingressar no pré-vestibular comunitário e com a morte de uma amiga a tiros. Ela deixa uma filha de 19 anos.
Na noite de quarta-feira, participava do evento “Roda de Conversa: Mulheres Negras Movendo Estruturas”. Mais um de tantos em que incentivava jovens mulheres negras a se fortalecer e lutarem por um mundo melhor. Em uma de suas falas disse: “Sou fruto do pré-vestibular comunitário”, passou o microfone para outra mulher negra da roda e pediu apoio e compartilhamentos de seus seguidores no Facebook, que seguiam a transmissão ao vivo do evento. Algumas horas depois, seu rosto, suas palavras e sua trajetória de ativista negra inundariam as redes em choque pelo horror de seu assassinato. Ela foi morta na saída desse evento, um evento de mulheres negras, onde foi lembrando que no dia 14 de março se comemoravam os 104 anos da escritora Carolina Maria de Jesus.
Em 2018, nos perguntamos incrédulas: como é possível matar alguém por conta da sua história, da sua luta, do seu discurso? O assassinato de Marielle Franco é também a tentativa de matar tudo o que Marielle é e pelo que lutava: povo preto, mulheres, periferia, pessoas LGBT. A execução de Marielle Franco foi um crime misógino e racista. Para muitoos ainda é insuportável para ver uma mulher negra, da periferia e que ama mulheres fazer tudo que ela fazia e defendia.
A dor pela morte dela é imensa. Mata um pouco de cada uma de nós. O vazio é enorme. O que eles não sabem é que a Marielle era gigante. E carregava as pessoas que lutava junto com ela. O vazio é enorme, mas o sentimento de revolta também. Enquanto as nossas lágrimas caem, nós nos organizamos e lutamos. Vocês não vão matar o que Marielle defendia. Ou terão que matar todas nós. E nós somos muitas.
Marielle Franco, presente! Por ela e por todas nós.
Créditos da Imagem: Rio de Janeiro/2018. Marielle Franco na manifestação do 8 de Março. Foto de Thais Alvarenga/Página Oficial no Facebook.
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