Porque eu odiava a cor rosa

Texto de Adriana P. para as Blogueiras Feministas.

Depois da fala da Ministra de Direitos Humanos Damares Alves no início deste ano dizendo que menina usa rosa e menino usa azul e de todas as bandeiras levantadas a favor ou contra essa ideia, finalmente consegui elaborar uma reflexão acerca do estigma que eu mesma assumi para a cor rosa na minha vida, enquanto representação do feminino.

Até aproximadamente os meus 11 anos eu não tinha problema algum com a cor rosa. Posso dizer que eu não era uma menina que amava a cor rosa, na verdade acho que eu não tinha ainda uma cor favorita e nem uma que eu odiasse.

Bom, mas então o que aconteceu na minha vida para que eu tivesse verdadeiro asco por essa cor a partir daí? Qual foi o trauma? Basicamente eu comecei a virar mulher, e eu bem me lembro que com 10 anos eu dizia que nunca queria deixar de ser criança. Tá, mas e daí? E daí vem o contexto de uma família de pensamentos machistas e uma menina com sede de liberdade!

O início da história é o seguinte, somos de uma cidade pequena, de família humilde e minha mãe engravidou aos 35 anos de mim, depois de 11 anos do primeiro filho menino. Primeiro, meu pai não queria mais um bebê, afinal ele já tinha 43 anos e se achava velho pra isso (tinha até vergonha de sair com a minha mãe grávida!). E se fosse uma menina era muito pior, segundo ele. Bom eu cheguei e como não havia acesso ao ultrassom ele só tinha um nome de menino pra me dar…mas logo isso foi resolvido.

Na minha infância, os comportamentos e falas machistas do meu pai eram mais sutis, como não gostar que eu usasse vestido, pois não sabia me “comportar” e não poder brincar descalça igual ao meu primo da mesma idade porque eu era menina. Com o tempo, essa mesma justificativa “porque você é menina” se tornou umas das preferidas do pai quando ele não queria que eu fizesse algo, ou quando ele queria que eu fizesse, como cuidar das tarefas domésticas.

Todos esses comportamentos dele me ensinaram que ser menina não era tão legal assim, e que eu era uma decepção pra ele por não ter nascido menino…Passei a desprezar o serviço doméstico, dizia que não tinha dom pra cozinhar e nem costurar. Dizia para minha mãe também não fazer todo o serviço, porque não era certo. Plantei a semente feminista no coração dela. E passei a negar coisas que se diziam propriamente femininas.
Daí veio o “eu odeio rosa”, marca da minha identidade até pouco tempo. Então passei a me interessar mais por futebol na minha adolescência (não que fosse muito boa), chegando a disputar campeonatos interescolares e municipais de futsal. Jogava com meus tios e primos (todos homens e meninos) nos fins de semana, e eles me respeitavam. Percebi que meu pai estava mais satisfeito, me apoiou, me levava para os jogos, até ajudou a organizar um campeonato! Pronto, achei que tinha acertado com ele! Mera ilusão… não adiantou mostrar pra ele que eu também podia jogar futebol e truco como os homens da família, ele ainda achava que eu não devia fazer faculdade, morar fora e crescer profissionalmente. Dizia que tudo o que eu sonhava era loucura. Mas eu era teimosa e com o apoio da minha mãe estudei com bolsa integral na melhor escola particular da cidade e passei no vestibular em três faculdade públicas. E meu pai me disse que estava torcendo para eu não passar…

Outubro/2011 – O número 10 da Downing Street em Londres é iluminado de rosa como parte do mês de alerta sobre o câncer de mama. Foto de Lewis Whyld/AP.

Fiz faculdade, morei fora, trabalhei, casei e ainda odiava rosa! Sabe por quê? Porque eu não conseguia compreender e entender meu pai, suas atitudes e falas machistas que me deixavam com menos orgulho de ser mulher e de sempre estar tentando provar pra ele que poderia fazer muito mais do que seu fosse o filho menino esperado. Para mim, aceitar a cor rosa era aceitar a submissão, a fraqueza, a baixa hierarquia da mulher. Era um símbolo daquilo contra eu lutava.

Eu sou mulher, nunca quis ser um homem de fato, mas eu sempre quis ter os mesmos direitos que os homens, só que ao mesmo tempo não queria decepcionar meu pai…

Meu paradoxo interno só teve fim quando compreendi que os comportamentos do meu pai são resultado de uma história de contingências desde de seu primeiro lar, onde filho mais velho de nove irmãos, viu sua mãe sofrer muito mais do que minha mãe e eu sofremos em uma cultura machista. Ele não queria ter uma filha, com medo de que ela sofresse o peso de ser mulher, como sua mãe e suas irmãs. Não me deixar ser livre era para eu não me machucar, no entender dele. E quando eu entendi que no seu jeito machista de ser ele queria me proteger, parece que ele também se esforçou em ver o quanto eu sou capaz e que eu fiz bem de ser teimosa. Sua história de contingências continua e promove mudanças, tanto que hoje já apoia o sonho da minha sobrinha de 10 anos de estudar e ser delegada de polícia e até começou a fazer algumas tarefas domésticas! E se hoje ele não quer que eu vá para longe dele, é porque reconhece o quanto eu sou importante e sente que pode ficar desamparado sem mim na velhice. Percebo que hoje a minha opinião para ele é muito importante em todos os assuntos, e me sinto respeitada.

Hoje eu entendi que para ser feminista eu não preciso odiar a cor rosa ou qualquer outra cor, eu não preciso odiar os homens, nem as mulheres e qualquer pessoa que têm atitudes machistas. Eu só preciso compreender que todos como humanos temos nossas histórias, podemos mudar e temos direitos iguais. E claro, fazer a minha parte para lutar por esses direitos, que abrangem qualquer faixa do arco-íris!

Autora

Adriana P. 29 anos, psicóloga, bancária, casada, mora com o marido e com um gato, do interior de São Paulo, lutando contra a perfeição a cada dia…