O Sentir

Texto de Alexya Costa para as Blogueiras Feministas.

Se eu for falar de dificuldades talvez passasse muito tempo aqui tratando do mesmo assunto. No entanto, venho tentando mudar meu foco do que me parece tão difícil para realmente observar as boas coisas que tenho conquistado ao longo desse tempo.

Obviamente nem tudo são flores, a adicção ainda é uma sombra na minha vida, mudanças de comportamento ainda causam estranheza e desconfiança, isso é fato, não dá pra mudar, mas o principal é eu viver bem com as minhas próprias verdades, sabendo o que fiz ou deixei de fazer, seja bom ou não para mim mesma. A confiança na verdade não tem sido o meu foco, tenho me preocupado mesmo em simplesmente ser, independente do que quer que pensem sobre mim, e isto tem deixado a vida bem mais leve.

Essa leveza se traduz em paz, em sentimentos (bons e ruins), em experimentar todas as sensações que eu tenho direito, de mente limpa, com a alma iluminada, mesmo nos dias mais chuvosos eu tento manter a luz. Isto, é claro, não impede que algumas vezes eu sinta dor, tristeza, até mesmo saudade de acontecimentos bons pelos quais eu já passei. A transição tardia é um desafio imenso, muitas vezes já me questionei se este era o caminho certo. No entanto, tenho a certeza de que se não tivesse tomado essa decisão com certeza já teria voltado a adicção ativa, com todas as suas consequências possíveis. Partindo daí a dúvida se dissipa e eu prossigo na desconstrução de toda uma vida.

Tirar a máscara não é tarefa para pessoas fracas ou indecisas, ninguém obviamente consegue fazer isso sozinho, eu tive ajuda de algumas pessoas que não tenho a autorização de citar aqui, porém estas mesmas estarão sempre comigo em gratidão e carinho, me ajudaram muito no início de tudo isso que eu vivo hoje. Porém, o mais interessante são os sentimentos. Após o início da terapia hormonal tudo tem sido mais intenso. Ser mulher não é para qualquer um, claro que o principal é como eu me defino internamente mas, os hormônios vem se mostrando uma parte importante de todo o processo de transição.

Os sentimentos, as vontades, o humor, tudo isso muda. Passei a ter uma visão um pouco mais ampla do que é ser uma mulher de verdade, mesmo que meu corpo contradiga isso. É mergulhar sem medo, é emocionante toda essa nova maneira de viver. Tudo tem sido muito intenso e eu não voltaria atrás de maneira nenhuma, o fato de ser (e poder ser) é mágico.

Foto de Alexander Mueller no Flickr em CC, alguns direitos reservados.

Um dos maiores desafios ainda é a questão afetiva. Mulheres trans em início de transição enfrentam uma série de dificuldades, sendo a pior delas a solidão afetiva. Nós, como qualquer pessoa buscamos o amor, sermos queridas, companheiras, mas a sociedade, ainda que muitas vezes nos aceite em seus meios sociais ainda não entende a ideia de uma mulher trans bissexual gostar de outa mulher. Isso é bem complexo até mesmo para nós que vivemos essa transição.

Eu me vi apaixonada por alguém que eu sei que dificilmente teria um relacionamento comigo. Infelizmente ainda é assim que funciona para nós. Isso traz muita tristeza, saber que é algo que eu vou ter que viver de uma maneira muito solitária. Não mandamos no coração mas o que eu quero dizer é que é uma sensação muito ruim sentir esse amor de uma maneira unilateral. Talvez isso algum dia mude, talvez seja tudo diferente um dia. A disforia tem sido um tormento, o que dificulta mais ainda as coisas. Entretanto, o foco, como eu disse antes, não é na dificuldade, mas sim na magia dessa liberdade feminina que se manifesta em mim. Amar ainda vale a pena, ser amada quem sabe um dia………..

Autora

Alexya Costa tem 42 anos e é uma mulher trans em inicio de transição, morando em São Paulo.