Os homens que não amavam as mulheres

Texto de Renata Lima.

Em 2009, por mero acaso, comprei um livro chamado “Os homens que não amavam as mulheres“. Um calhamaço de mais de 500 páginas, que devorei em questão de horas (viu que no perfil está leitora compulsiva, né? Agora sabe porque!)

Eu simplesmente não consegui largar, e ao terminar, já fui na internet, pesquisei sobre o autor, descobri que havia dois outros volumes já lançados, e mesmo pagando mais caro do que em uma livraria virtual, comprei os outros dois no dia seguinte, em uma livraria de shopping, aqui em Contagem (uma das coisas que me entristece na cidade onde vivo é que não há livrarias fora dos dois únicos shoppings da cidade. Houve uma época que havia uns dois sebos, mas fecharam há muito tempo)

Os livros, que compõe a Trilogia Millenium, giram em torno de um jornalista, Mikael Blomkvist, editor de uma revista, chamada Millenium.

No entanto, longe de fazer do jornalista o personagem principal da trama, o autor, o sueco Stieg Larsson, também ele jornalista investigativo, editor da Expo, que denunciou facções nazi-facistas na Suécia, transformou seu possível “alterego” no link que conecta as diversas e fantásticas histórias da verdadeira protagonista, Lisbeth Salander, e de inúmeras outras mulheres fenomenais: Erica Berger, Sonja Modig, Suzane Linder, Harriet Vanger, Rosa Figueirola, Anikka Gianini.

Stieg Larsson, que faleceu em 2004, sem ver o sucesso fulminante que seus livros fariam mundialmente, não era um homem que odiava as mulheres. Pelo menos, em seus livros, ele deixa claro que é um homem que ama e é amado pelas mulheres. E, mais do que isso, era um forte combatente da violência e da exploração feminina.

Na trilogia, são abordados temas como estupro, assédio sexual, cyberassedio, violência doméstica, tráfico de mulheres, exploração da prostituição, preconceito, pedofilia, tortura.

Mas não é um livro pesado. Pelo contrário. É uma obra que apresenta a possibilidade de redenção, algo que eu sempre prezo (e que as vezes o Thiago chama de “viver numa bolha cor-de-rosa”).

O personagem Mikael Blomkvist é um homem, um jornalista respeitado, que trabalha com uma mulher, Erica Berger, sendo ambos editores da revista Millenium. Erica Berger é casada, mas ela e Blomkvist tem um caso há mais de 25 anos.

No primeiro livro, enfrentando problemas financeiros e com a justiça sueca por uma armação de que fora vítima, nosso galante herói é apresentado, e em seguida contratado por um idoso milionário, para ajudar a solucionar o mistério do desaparecimento de Harriet Vanger, ocorrido há mais de 40 anos.

Eis que então nosso jornalista conhece Lisbeth Salander.

Cena do filme sueco Os Homens Que Não Amavam as Mulheres (2009).

Lisbeth Salander. Não tenho como descrever. A melhor heroína-antiheroína que conheci na literatura contemporânea dos últimos anos.

Totalmente diferente, ela é tatuada, perfurada por inúmeros piercings, cabelos curtos e pretos (é, ela é sueca sim!), visual andrógino, personalidade introvertida, a ponto de parecer alheada ao mundo, bissexual, destemida, possui memória fotográfica e habilidades fantásticas como hacker. No decorrer do livro, ela se revela A personagem. Ela é “A menina que brincava com fogo” e “A rainha do castelo de ar”.

Não tem como não ser nossa personagem preferida. Ela não fala com a polícia. Ela não fala com as autoridades. Ela resolve as coisas. No decorrer da trilogia, descobrimos o motivo de sua aparente “revolta”.

Outras personagens são essenciais, entre elas, Sonja Modig, uma policial, uma das poucas que não acredita piamente na culpa de Lisbeth por crimes de que esta é acusada no segundo livro. Tem seu contraponto, o nojento do investigador Hans Faste, que desde o início já nutre ressentimentos contra Lisbeth, a quem chama de “lésbica satanista” (hum, esse traste de personagem fictício me lembra tristemente algumas personas infelizmente reais de nossa sociedade…)

Harriet Vanger, uma mulher que fez escolhas difíceis.

Annka Giannini, a irmã de Mikael Blomkvist, advogada especializada em violência contra as mulheres e que defende Lisbeth em um julgamento emocionante!

Rosa Figueirola (não sei porque, na tradução espanhola é Monica e não Rosa), a policial atlética e intelectual que é encarregada de uma investigação importantíssima para a segurança Estado Sueco.

Suzanne Linder, uma ex-policial que passa a investigadora particular, porque nao conseguiu conviver com a inércia da polícia sueca nos casos de violência contra a mulher (isso mesmo, polícia sueca!)

Por que estou falando de um livro, um romance contemporâneo, neste post?

Não tem mais nada acontecendo? Não tem malafaias e felicianos por aí, distribuindo kits-antigay? Não tem comediantes (?!?) fazendo piada de estupro? Não tem violência contra a mulher, não tem misoginia e homofobia por aí não?

Tem. Até demais. Tem todos estes homens que odeiam as mulheres (e os gays, e os negros, e o pobres, e os diferentes deles em geral).

Mas tem também a possibilidade de viver em um mundo com menos (estou sendo pragmática gente, queria viver em um mundo SEM) misoginia, homofobia, racismo, menos preconceitos e intolerância e desrespeito.

Eu poderia ficar horas escrevendo, e falando sobre minha identificação com cada uma das mulheres citadas acima, das personagens da trilogia. Mas não vou. Vou deixar que vocês descubram.

Vou deixar que vocês leiam os três livros, que fiquem, como eu, imaginando as inúmeras possibilidades de novas histórias incríveis, que não serão concretizadas pela morte do autor, que se apaixonem por seus personagens favoritos. E que passem a aguardar a adaptação para o cinema (a de Hollywood, porque a sueca já saiu, e não achei ruim) e torcer para o David Fincher não errar ao transmitir para o grande público o que no livro, dentro de histórias muito bem amarradas, fica muito bem explicito: vivemos em um mundo onde todos os dias inúmeras violências são cometidas contra as mulheres, um mundo onde muita coisa terá que ser mudada, e não vai ser sem luta.

Para encerrar, de verdade, deixo com vocês um artigo do Mario Vargas Llosa, sobre a trilogia, e sobre as mulheres da trilogia.

(Juro que escrevi o post inteiro antes de ler todo o artigo, para não ficar influenciada, e agora, vejo que o fantástico autor de “Travessuras de Menina Má” também falou sobre o triunfo do bem sobre o mal! Tá vendo? Não sou só eu que aprecia a possibilidade de redenção!)

Confesso que chorei lendo o artigo (está em espanhol mas dá para entender)

P.S. Lisbeth Salander se tornou um fenômeno, e existem inúmeros blogs e sites que a homenageiam, entre muitos, este aqui achei fantástico (em inglês)