Amamentação, sexualidade e os tabus nossos de cada dia

E não é que nesta semana o assunto da amamentação voltou aqui pela blogosfera? Mamaços, discussões sobre amamentação e afins não são raros junto a blogosfera, mas acabam ficando restritos ao nicho materno deste mundo, como acontece no mundo real também. Tanto na internet quanto na vida real nós não temos o hábito de falar do que é amamentação, parto, maternidade ativa e afins. Ficamos à deriva do senso comum e o máximo deste senso comum acabou sendo mostrado no CQC.

Obviamente que o debate pelo mundo virtual seria polêmico, tanto que o assunto está dando pano pra manga lá no blog da Lola. Acredito que há alguns elementos do que é o ativismo pró-amamentação que acabam ficando no limbo, até por não ser um assunto de interesse das pessoas, só nos pegamos pensando sobre parto, amamentação e afins quando viramos mães, os pais as vezes demoram mais pra pensar nestas coisas, visto que não é o corpo deles que modifica e muito menos não são os hormônios deles que enlouquecem.

O mamaço do Itaú Cultural já havia gerado uma discussão na blogosfera materna por conta de uma artigo na Folha de S. Paulo do João Pereira Coutinho onde ele comparava o amamentar público com o direito de fazer sexo em público e afins. O texto do Coutinho acaba por colocar de forma não humorística o que grande parte da sociedade pensa sobre o ato de amamentar, poderia sim ser escrito pelo Rafinha Bastos ou pelo Marco Luque, pois externa justamente a discussão sobre a mulher na sociedade ter apenas dois papéis: de santa ou de puta. O papel da mãe é o papel da santa, mãe não trepa, não goza, não sente prazer em amamentar – talvez esta seja a única coisa que eu concorde do artigo do Coutinho de que a amamentação faz parte da sexualidade da mulher.

As militantes enraiveceram-se, a coluna do moço nunca foi tão visitada na vida, mas algumas delas, inconformadas com as comparações bizarras na coluna do João, enfiaram os pés pelos peitos e insistiram na premissa de que peito amamentando não tem nada a ver com sexualidade.  Uma pena, enquanto não enfiamos o dedo na ferida, ela não cura e a militância deveria saber que peito amamentando não perde sua função sexualizada, que o olhar dos homens para um par de peitos femininos, com ou sem bebê mamando, é um olhar sexualizado e pode ser confuso, mas tão confuso para um homem — embora não seja para todos – ver um peito feminino exposto, sendo sugado, que ele desate a pensar, sentir, falar ou escrever besteirol infantilizado, mesmo quando tem uma boa formação, uma boa educação, como parece ser o caso do jovem colunista. (RODRIGUES, Claúdia)

O mamaço acaba não apenas promovendo a amamentação, mas também desvelando o quanto a nossa sociedade é machista e não encara a sua própria sexualidade, seja de homens ou mulheres. Na verdade quando lemos os revides sobre o artigo do Coutinho e as próprias declarações inglórias de 2 dos integrantes do CQC são sempre articuladas pelo moralismo, de que o ato de amamentar não pode ser visto como um ato sexual pois colcoa a mulher no lugar de mãe, a de santa. Mas lidar com a sexualidade da mulher não é um binômio Santa-Puta, há tons de cinza que precisam ser encarados, mas não o são justamente pelo fato da sociedade ser moralista, patriarcal e machista e colocando tabu tanto na sexualidade das mulheres, quanto nas dos homens.

A militância pode e deve promover mamaços, mas que seja de cabeça feita, sem falsos moralismos de que esse nobre gesto é assexuado como uma pintura bem comportada. Amamentar tem cheiro, cor, prazer de ambos os lados, muita satisfação em esvaziar e ser esvaziada, parece muito com um ato sexual sim, é sexualidade primária, fundamental, de base e quem não viveu ou não processou esse grounding da sexualidade humana de algum jeito, sofre, se confunde, não consegue ver, ouvir ou conviver com a amamentação de forma espontânea. Nas mulheres um dos sintomas, triste sintoma, é não conseguir amamentar. (RODRIGUES, Claúdia)

O que me preocupa neste dois casos é justamente o tabu que reverberam, o fato da sociedade não conseguir lidar com seus desejos e compreender a sexualidade do outro sem preconceitos, moralismos e afins. Até por que o Ministério da Saúde faz campanha atrás de campanha sobre a importância do aleitamento materno e a sociedade tá convencida da importância do aleitamento materno, a questão é que também está ganho o tabu da sexualidade, sendo assim amamentar ter hora e local, pois não conseguimos lidar com a nossa sexualidade e com o fato de sim poder-se sentir prazer ao amamentar e não ter que se preocupar com o moralismo externo, se colocando no lugar de mãe-mulher, e não mãe-santa ou mulher-puta.

Pregar que uma mulher não pode amamentar em público equivale a dizer que ela não deve sair de casa, que ela deve viver pro bebê, deixar de trabalhar e de curtir a vida pra unicamente servir ao bebê. (ARONOVICH, Lola)

Com este debate voltamos a discussão da Divisão Sexual do Trabalho, de qual é o lugar da mulher na sociedade e de como tratamos a nossa sexualidade em geral. Amamentar é mais saudável para a mãe e a criança, seja por conta doas anti-corpos, da proteção contra o câncer de mama e afins, mas amamentar faz parte da sexualidade humana, é a nossa segunda experiência sexual, pois a primeira é o parto – isso se não tiver sido cesárea. Maternidade faz parte da nossa sexualidade e se não compreendermos isso, não encararmos que não existe a mulher-santa ou a mulher puta, mas apenas a mulher que tem como ir a uma exposição e amamentar seu filho sem paninhos, sem local restrito ou o que for estaremos caindo apenas no moralismo sexual que nos ronda século após século.

Uma mulher parindo é uma mulher vivenciando sua plenitude sexual, secretando os mesmos hormônios do ato sexual. Uma mulher amamentando uma criança é uma mulher vivenciando uma relação de sexualidade positiva com seu corpo. Seu corpo transforma sangue em alimento e nutre a cria. Seus seios agora exercem a função para a qual foram feitos, que fazem com que sejamos chamadas de mamíferas.

Assim como nossa vagina que costuma receber o falo, agora se abre para trazer uma nova vida, pelas vias que entrou. Por serem vivências sexuais não significa que são pornográficas. Esses são os olhos de uma sociedade doente cheia de entraves sexuais. Entraves que talvez, muitos deles, venham destes dois momentos maus vividos. (BRUM, Kalu)

Talvez isso seja o mais difícil dessa discussão toda, pois de um lado as mulheres-mães pró-amamentação acabam referendando o lado onítico da coisa, como se nós não tivessemos desejo ou prazer, encaram o ato de amamentar como um ato de doação ao filho, quando é sim um ato de prazer para os dois, pois a criança amamentada por muito tempo ainda terá sua relação de prazer com a oralidade, por isso que para conhecer o mundo colocam as coisas no mundo, é pelo ato de amamentar que a criança acaba por se reorganziar, pois é ali que ela sente prazer e reconhece o espaço de seguridade. As mães não são santas, muito menos putas ao darem de mamar em locais públicos. As mães são mulheres como todas as outras e o ato de amamentar apesar de ser sexual, como muito bem fala a Kalu do Blog Mamíferas, não é pornográfico.