Todas somos vadias. E também empregadas domésticas.

Existe um tipo de escravidão no Brasil que é institucionalizada, faz parte da cultura dos brasileirxs e impulsiona nossa economia. A normose do trabalho doméstico.

Cristina tem 26 anos e quatro filhos, dois do primeiro casamento e outros dois de relacionamentos que não duraram. Como os pais não pagam pensão nem ajudam com as despesas, ela tem que arcar com todos os custos e pra isso trabalha duro, em uma casa de médicos, cuidando de dois meninos: um de dois anos e outro de um ano.

A rotina de Cristina é surreal: sai de casa às 5:00 am, toda segunda-feira. E só volta aos sábados, às 18:00. Os filhos dela ficam com sua mãe, uma aposentada de quase oitenta anos, que cuida deles e de mais duas netas que também não tem pai afetivo.

O trabalho de Cristina envolve supervisionar os dois meninos pela manhã e à noite, arrumar material para que os dois levem à escola/creche, cozinhar e dar comida para os dois e limpar tudo durante a parte da tarde. Dorme na casa dos patrões, em um quarto com uma pequena janela, que fica próximo à cozinha e á máquina de lavar. Coloca o uniforme às 7:00 da manhã e tira às 21:00, depois de colocar as crianças  na cama. Só então ela pode colocar seu pijama e tomar um banho que vai lavar o cheiro do desodorante que lhe foi entregue no kit-higiene que recebeu na primeira semana de trabalho.

O valor mensal do seu trabalho é R$ 700,00. Com isso e mais o bolsa-escola e bolsa-família ela sustenta a casa e os filhos.

O interessante é que geralmente quem é responsável pela contratação e fiscalização do trabalho das empregadas domésticas somos nós, mulheres emancipadas, liberais e modernas. O trabalho doméstico nessas condições, que é uma das nossas heranças mais evidentes do prolongamento das relações coloniais, é visto como algo necessário para o crescimento profissional das mães e também daquelas que não tem tempo para limpar a própria sujeira por causa do trabalho. Com raríssimas exceções, as diaristas – que não recolhem INSS e não tem carteira de trabalho assinada – salvam a pele e os apartamentos das mulheres que lêem InStyle, para que as mesmas possam se manter lindas e atuais.

Creuza Maria de Oliveira, Presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), no Seminário dos Trabalhadores Domésticos. Foto de Valter Campanato/Agência Brasil.

No Brasil não existem rotinas para fiscalização do trabalho doméstico. Situações comuns de trabalho acima de doze horas de trabalho por dia passam batidas no dia-a-dia, dando origem à situações de crianças em abandono (filhos das empregadas), estupro e exploração de trabalho infantil. Recentemente, uma convenção da OIT sobre sobre Direitos dos Trabalhadores Domésticos foi aprovada e prevê direitos iguais para este tipo de trabalho.

Cabe a nós todas imprimir um olhar menos egoísta sobre o trabalho doméstico, principalmente aquele que trata de filhos. Babás no final de semana, empregadas que dormem no trabalho  e não recebem por horas trabalhadas fora do período e condições humilhantes de trabalho são nossa responsabilidade, principalmente. É importante abrir a discussão sobre filhos, carreira profissional e responsabilidade social quando se fala em emancipação e direitos iguais, porque a defesa das relações de trabalho que envolvem a esfera doméstica pode gerar justiça de baixo pra cima, trazendo igualdade para as mulheres que não tem a quem recorrer a não ser a elas mesmas.

Autora

Yasodara Córdova se não tivesse que trabalhar, seria designer.