Sobre cervejas, detergentes e desodorantes

Texto de Tassia Hallais*.

Há uns dias atrás, uma amiga compartilhou no facebook a imagem de um cartaz com os seguintes dizeres: “Não somos brinde de cerveja, nem de desodorante. Abaixo o marketing sexista”.

Marcha das Vadias de Porto Alegre 2012. Foto de João Veppo no Facebook.

Fiquei pensando que é exatamente desta forma que diversos segmentos de produtos nos tratam em suas propagandas. O roteiro básico de quase todo comercial de cerveja, por exemplo, é composto de um grupo de amigos homens, de aparência comum, geralmente brancos, reunidos em um bar ou praia falando coisas “de macho”. As mulheres aparecem representadas como jovens muito bonitas, usando pouca roupa e cujo papel na peça publicitária não é aparecer como amiga deles, sentar à sua mesa para bater um papo como qualquer outra pessoa e aproveitar a tal cerveja gelada que o anúncio está promovendo. A sua função é servir como objeto de desejo para esses homens. Afinal, para essas propagandas as únicas aspirações masculinas são bebida, futebol e mulheres bonitas. Reducionismo puro.

Imagino que os responsáveis por esse tipo de anúncio ainda não entenderam que mulheres também consomem o seu produto. Eles parecem ter parado em algum lugar do passado onde “moças de família” não frequentavam bares, não bebiam, não tinham amigos homens. Deve fazer algum sentido para eles, mas a minha linha de raciocínio não encontra um motivo para deliberadamente se direcionar as propagandas de cerveja somente para determinada faixa do público masculino, quando esse é o tipo de produto que grande parte dos adultos consome. Homens, mulheres, transexuais, homossexuais também bebem.

No ponto oposto dos comerciais de cerveja — mas tão reducionista e sexista quanto — estão os anúncios de produtos para limpeza doméstica. Já repararam que eles sempre são direcionados às mulheres?

Não importa se a propaganda opta por mostrar uma dona de casa ou uma mulher que trabalha fora em seus anúncios, porque a mensagem afirma que é sempre dela a responsabilidade de acabar com a sujeira de uma casa, que na verdade, é de todos. Digo de todos porque esses anúncios ignoram pessoas que moram sozinhas. O modelo representado é sempre da típica família composta de papai, mamãe e filhinhos. Se puder colocar um cachorro Golden Retriever em cena melhor ainda. Mais uma vez se excluem das propagandas as lésbicas, os gays, a/os transexuais, casais que dividem as tarefas domésticas e toda uma gama de possibilidades. Porque a mente fechada e padronizada de quem vende produtos de limpeza parou na mesma época do pessoal do comercial de cerveja. A publicidade ainda vive num mundo onde é exclusivamente “coisa de mulher” a responsabilidade pela conservação e limpeza da casa.

No meio dessa lama de propagandas reducionistas, nós, mulheres feministas, ficamos numa posição muito ruim. Porque uma vez que praticamente todos os produtos nesses segmentos possuem propagandas desse tipo, nosso poder de fazer pressão através de um boicote se reduz. Vamos parar de tomar cerveja com os amigxs numa sexta à noite? Largaremos nossas casas sujas?

Ao menos no segmento de desodorante — que também possui muita publicidade sexista e machista — temos opções de produtos que tratam homens e mulheres com respeito e não categorizam todos os homens como predadores sexuais em potencial. Infelizmente, nos setores de cerveja e produtos de limpeza são raras as exceções, como nesse comercial da cerveja heineken. Não consigo me lembrar rapidamente de produtos que fujam dos estereótipos tratados neste texto, como comerciais de cerveja em que mulheres sejam o consumidor principal ou comerciais de produtos de limpeza em que os homens estejam limpando a casa sozinhos.

Não tenho a solução imediata para o fim da publicidade sexista, machista, lesbofóbica, homofóbica e transfóbica, mas acredito que reclamar e fazer pressão são passos importantes e necessários, especialmente quando feitos por grupos. Essas empresas precisam saber que não nos representam, que não estamos satisfeitxs com a sua postura. E quem souber de produtos que fujam desses clichês em suas publicidades, por favor, avise nos comentários. Dar preferência às empresas sérias e comprometidas em não reproduzir preconceitos é uma forma de mostrar nossa postura também.

*Tássia Hallais tem 23 anos, mora no Rio de Janeiro e é estudante de Comunicação Social da UFRJ.