Reduzir os estupros em Barão Geraldo (Campinas-SP): como?

Barão Geraldo é um distrito da cidade de Campinas, no interior paulista. Ao contrário do que os estudantes da Unicamp gostam de acreditar, o distrito é enorme e inclui diferentes bairros populados por famílias de diferentes classes sociais. Há as famílias de condomínios fechados com casas enormes, outros condomínios fechados com casas não tão enormes assim, os casarões e as vilas populares na região do Bosque de Barão Geraldo, o Guará com ruas de terra e uma escola considerada entre as melhores da rede municipal, um trecho da divisa de Paulínia com mais condomínios de luxo, o centro e o Santa Genebra onde moram famílias de jovens estudantes ou ex-estudantes (como a minha) e famílias de aposentados que têm as casas há muito tempo, o jardim Primavera, próximo ao campus da PUC onde se encontram os poucos condomínios verticais do distrito. E há a Cidade Universitária (I e II) que são os bairros mais próximos da Unicamp, onde casarões e mansões antigos são alugados por 10 ou mais estudantes que racham o aluguel caro e fazem repúblicas enormes com churrasqueira, piscina e 4 a 5 vagas na garagem… (é nesse trecho também que misturam-se a maioria das kitnets com preços absurdos que muitos estudantes acham justos, já que não precisam pagar individualmente telefone, internet, luz, água – mal sabem eles que gastariam a metade do valor mensal se o fizessem). Bom, devidamente introduzido, este é mais ou menos o mapa social de Barão Geraldo.

Mapa de Barão Geraldo no Google Maps.

Moro em Campinas há 6 anos, em Barão Geraldo há 4. Como muita gente faz, mudei-me para cá no início da graduação em ciências sociais e continuei a fazer o mestrado. Acabei me casando e formando minha pequena família: eu, meu marido e nossas quatro gatinhas. Desde meu primeiro ano em Campinas e na Unicamp ouço com frequência relatos de estupros e assédio sexual nas ruas próximas à universidade (que eu também por anos achei que era a única coisa que existia em Barão Geraldo). Uma amiga logo que entramos na uni sofreu um abuso a caminho da universidade, em pleno dia. Um homem que andava de bicicleta a encurralou e a apalpou e nem lembro como mas ela conseguiu fugir. Poderia não ter conseguido, como foram tantos outros casos.

Se você busca dados oficiais, me perdoe, não os tenho. Não tenho informação alguma de se houve aumento no número de casos de violência sexual em meu distrito nos últimos 6 (ou mais) anos. Talvez o distrito também não tenha, bem provável. Nem mesmo na Unicamp, que é só um pedacinho do distrito, é possível saber ao certo quantos casos de violência sexual acontecem a cada festa, por exemplo, ou no cotidiano das trabalhadoras e servidoras e até professoras universitárias da instituição. E ainda temos, só de universidades, a PUC e a Facamp… Então não é sobre isso que vim falar hoje, em tom mais sério do que meus posts habituais por aqui.

O fato é que por algum motivo desconhecido exatamente, este ano a bandeira feminista do fim da violência sexual e do assédio nas ruas extrapolou nosso pequeno coletivos feminista da Unicamp, do qual poucas mulheres participavam. De repente havia mais de um grupo debatendo e pensando em organizar ações concretas durante o próximo semestre, com esta bandeira. Um desses grupos é formado e puxado também por Blogueiras Feministas como eu, enquanto o outro foi de uma organização mais autônoma de estudantes que frequentemente nem feministas se dizem. Mas há uma diferença substancial nos tipos de reivindicação destes grupos, ambos igualmente válidos a meu ver: o grupo menor (que veio “daqui” também) começou a discutir a partir da idéia de fazer uma Marcha das Vadias em nosso distrito. As reivindicações da Marcha das Vadias (veja mais nesses posts aqui, aqui e aqui) evocam uma transformação mais geral e substancial na mentalidade das pessoas em relação ao estupro e à violiência sexual – homens, mulheres, instituições, etc. Para que este tipo de violência deixe de acontecer, claro. Mas é um ato com uma proposta mais conceitual, interpretativa. O segundo grupo, que começou a crescer com o Facebook e as conexões virtuais, formado por mulheres de vários grupos dentro da Unicamp (não tenho conhecimento se há gente de fora ainda) tem uma proposta mais emergencial: reivindicações mais concretas de infraestrutura no distrito que possa coibir alguns tipos de violência sexual e dar apoio às vítimas que não vão parar de surgir até conseguirmos a tal transformação de base que a Marcha das Vadias propõe.

Nosso distrito não tem iluminação em muitas ruas e quando tem as árvores sem poda há anos interferem na sua eficácia. Minha rua mesmo é escura e cheia de terrenos baldios – e fica no centro, a parte mais movimentada do distrito! Terrenos baldios, aliás, por aqui não faltam já que a especulação imobiliária nessa cidade e mais especificamente em Barão Geraldo é um verdadeiro império. Este é um ponto: há lugares ermos demais e frequentemente são esses lugares que abrigam os casos de violência sexual ocorridos nas ruas do distrito. Mas não é só isso. Aqui há apenas uma delegacia, para todo o distrito. Ela funciona apenas nos dias de semana e até as 17h (em algumas épocas até as 19h, o que também não é de grande ajuda). Não há delegacia da mulher nem perto daqui. Para se chegar ao atendimento especializado da delegacia da mulher é preciso tomar pelo menos dois ônibus ou até três ou quatro, dependendo do bairro de Barão Geraldo onde se está. Temos o CAISM (Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher) no Hospital das Clínicas da Unicamp (também de acesso difícil em transporte público dependendo de onde no distrito é o ponto de partida e da hora do dia e do dia da semana), onde vítimas de violência sexual são atendidas. Mas não é possível no CAISM abrir uma investigação, por exemplo, para colocar os algozes na cadeia. Combinando essas duas deficiências ao pouco policiamento nas ruas, claro, os ataques de violência sexual com mulheres nas ruas do distrito (além daqueles que ocorrem em casas, repúblicas, festas, etc) são frequentes. Meses como Julho em que a movimentação nos bairros ligados à Unicamp diminui consideravelmente são ainda piores.

Então defendo sim, com o segundo grupo autônomo mobilizado aqui no distrito, que essas reivindicações emergenciais têm de ter força. E tem que ser agora. Estrategicamente, elas ainda podem agregar à luta moradoras, moradores e famílias do distrito que nem são ligadas à Unicamp nem têm uma discussão feminista mais aprofundada, o que é fundamental para garantir a atenção da subprefeitura de Barão Geraldo e da pefeitura de Campinas, sobretudo porque a grande maioria dos estudantes da Unicamp não vota em Campinas… O engajamento de líderes religiosos locais, associações de moradores, diretores de escola e – por que não? – empresas do comércio local devem ser fundamentais nessa luta para que ela chegue a algum lugar. Que vá além da Unicamp e que, esperançosamente num segundo momento, vá também além destas reivindicações em si.

Só então poderemos ser vadias em paz.

Lindo né? Agora imaginem sem iluminação nenhuma, sem policiamento e sem ninguém por perto. Foto do meu arquivo pessoal: Unicamp.

[Outros textos sobre violência sexual e sexualidade da mulher escrevi ou traduzi: Culpem o estuprador, não a vítima [tradução]; Estamos mais acostumadas ao bullying do que os homens?; Pequeno manifesto por uma saúde que seja de fato das mulheres; Se o aborto é crime, fazemos política no escuro; A vida do lado de cá (paquera dentro e fora da universidade); Homens sentem mais desejo sexual do que mulheres?; Progressistas, progressistas, mulheres à parte]