Uma carta para todos os machistas que já conheci

Texto de Jenifer Lucarelli para as Blogueiras Feministas.

“O silencio mantém o status quo. Eu decido falar. Eu decido me levantar.” Isatou Touray*

A dor corroeu meu corpo, minha alma, minha mente e coração. O seu machismo meu deixou em cacos, me desculpei por coisas que não deveria me desculpar, seu machismo transcendeu meu corpo. Feriu, ardeu e queimou todas as memórias boas que tinha sobre você. Talvez, porque eram fantasiosas da minha parte.

Idealizar demais alguém foi meu erro, pensar que você cabia em mim, você é pequeno e eu sou uma imensidão. Qualquer sinal de doçura vindo da sua parte, um olhar, uma mensagem bonita, um elogio, sanava de alguma forma toda a grosseria. Como aquele agrado que a gente recebe depois de um tapa.

Você provavelmente foi criado num lar onde a mulher é menosprezada e submissa, mas o mundo aqui fora não é o seu lar, existem outros indivíduos com pensamentos diferentes e valores também, a mulher não é sua submissa, não é seu objeto de prazer e não é sua serva.

Seu círculo social pode muito bem concordar com suas ideologias machistas, mas desumanizar e objetificar não é o correto, é cruel e deixa marcas muitas vezes que não se apagam em quem sofre com isso.

Seu discurso raso e falido de que eu deveria me comportar, ser discreta e compreensiva com suas atitudes abusivas, me fizeram manter uma ideia de que eu deveria mudar quem eu era para me encaixar em você. Porque eu não servia, eu não era útil e se não me desse o valor seria só mais uma em que você iria passar a mão.

Renunciei a mim mesma, calei a voz que gritava dentro de mim toda vez que você agia de forma errônea. Eu não podia machucar alguém que eu queria bem, mas permitia assim ser machucada por você que, evidentemente, não se importava nem um pouco comigo.

Sabe aquela música boa em um idioma diferente do seu que você ouve e gosta, mas quando lê a tradução percebe toda a futilidade e vazio que traz, era assim que eu te via no começo: uma música que eu não entendia e gostava por não entender a realidade que era. Eu li sua tradução, através de suas atitudes diárias e não gosto mais.

Parei de gostar quando segurou meu ombro forte, quando enfiou sua língua na minha boca, quando colocou a mão debaixo da minha roupa sem a minha permissão e eu gritei. Eu parei de gostar quando me xingou e eu chorei. Quando você viu alguém sendo ríspido comigo e não falou nada. Deve ser porque era uma atitude sua se impor sobre mim, quando ninguém o via.

Achava que você era a única pessoa que poderia vir a me amar, e me fez acreditar fielmente nisso, se colocando como alguém superior a mim, de forma que deveria ser grata por estar ao seu lado, mesmo sendo rude, eu deveria agradecer sua presença em minha vida. Era como estar em uma montanha russa e quando chegava lá em baixo você pisava mais.

Fiquei dias, semanas e meses, pensando em repensando sobre minhas atitudes: o que eu fiz de errado? Deveria abaixar mais minha cabeça? Deveria me calar? Para então assim você me amar?

Noites sem dormir, falta de ânimo, energia, disposição e sem vontade de comer nada, eu estava ligada demais tentando entender algo que não se entende ou justifica. Sinto muito, mas seu machismo não é justificável, e sim, lamentável.

A representatividade feminina te incomoda porque sabe que isso vai acabar com sua opressão, sabe que sua voz machista vai se calar diante de um discurso onde a empatia e o respeito prevalece, mas é óbvio que não reconhece a importância disso.

Você nem sabe o que são direitos humanos, e que agressão a mulher viola esses direitos, ou talvez até saiba, mas seu pensamento retrógrado, o impede de ser uma pessoa com consciência sobre respeitar os limites dos outros.

Eu olhei para minha história, para as barreiras que venci, as dificuldades que passo dia após dia sendo uma mulher negra em uma sociedade machista e racista, e tudo o que eu tenho a lhe dizer é que eu sou mais. Eu vou vencer, vou me recuperar de todo esse dano que me causou, vou me impor e sei que sou melhor que esse mal.

*Isatou Touray é uma ativista feminista africana da Gâmbia.

Autora

Jenifer Bruna Lucarelli tem 21 anos, estuda farmácia e vive no interior de São Paulo. É filha adotiva, criada por uma mulher guerreira branca. Uma mulher negra na universidade buscando seu espaço.

Créditos da imagem: SP/2015 –  Grupo de mulheres protestam no vão do Masp (Museu de Arte de São Paulo), na avenida Paulista. Foto de: Adriano Vizoni/Folhapress.