Texto de Luana Tolentino.
Na adolescência possuía dois sonhos: ser uma pessoa inteligente e conhecer o Rio de Janeiro. O primeiro, não serei eu a dizer se alcancei ou não. Já o segundo, realizei no ano passado.
Em dezembro participei do Seminário Mulher e Mídia 7, realizado na capital fluminense. A organização do evento não divulgou a programação antecipadamente. Foi uma grata surpresa encontrar Nilcéia Freire, Luiza Bairros, Liv Sovik, Nalu Faria e o Rodrigo Vianna por lá. Único convidado do sexo masculino, o jornalista e blogueiro progressista se saiu muito bem ao falar sobre temas feministas. Durante os três dias do seminário, nada me tocou tanto quanto Benedita da Silva, de quem lembro neste 25 de julho, dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Ao lembrar de Benedita Sousa da Silva Sampaio, lembro também de todas as mulheres negras deste país.
A platéia estava lotada. Eram mais ou menos 250 mulheres. Benedita e eu éramos umas das poucas negras presentes. Quando a vi, meus olhos brilharam. Uma mulher linda, viva, forte. Nem de longe aparenta ter 69 anos. Benedita quebrou todos os protocolos. O que era para ser apenas uma comunicação, transformou-se num brado contra a discriminação de gênero, classe e raça sofrida pelas afro-descendentes. Não poderia ser diferente. Fiquei emocionada. Ao final da apresentação, corri em direção à Bené e pedi um abraço. Mais que um afago, recebi um sorriso e o direito de tirar uma foto. Tremi. Tive a sensação de estar diante de um espelho, onde a minha imagem era refletida.
A história de Benedita da Silva é semelhante a da maioria das mulheres negras do Brasil. Nascida na favela da Praia do Pinto, Rio de Janeiro, a atual Deputada Federal pelo PT, viveu por 57 anos no Morro do Chapéu Mangueira. Assistente Social por formação, antes de ingressar na carreira política, Bené trabalhou durante longos anos como empregada doméstica. Como ela costuma dizer, lavou muito chão para as madames até pisar no tapete vermelho do Palácio do Planalto, quando tomou posse como Deputada Federal em 1986.

Benedita da Silva foi a primeira mulher negra a ocupar uma vaga no Senado e a governar um estado. Antes disso, fora eleita vereadora em 1983. Com a renúncia de Anthony Garothinho para concorrer à Presidência da República, Benedita assumiu o governo do Rio em 2002.
Feminista e ativista do Movimento Negro, Benedita da Silva fundou o Departamento Feminino da Associação de Moradores da favela em que passou boa parte da vida. Participou também da criação das primeiras associações de mulheres negras nos anos de 1980. Tema pouco estudado na Academia, o Feminismo Negro foi uma resposta à pouca visibilidade dada pelas feministas às especificidades das afro-brasileiras no que concerne à saúde, educação e participação no mercado de trabalho. Eliza Larkin do Nascimento considera a situação da mulher negra o próprio retrato da feminização da pobreza. Pesquisas revelam que as não-brancas formam a maior parte da população analfabeta do país, estão empregadas em grande parte no setor de serviços, encontram barreiras no acesso aos serviços de saúde e sofrem com os estereótipos construidos durante os quase quatro séculos de escravidão.
Ao ser perguntada sobre o que significava ser mulher negra, Benedita da Silva sintetizou com as seguintes palavras:
O meu orgulho é a missão de ser negra. Mas eu já quis deixar de ser negra. Era maltratada, riam de mim, puxavam meu cabelo, me chamavam de nega maluca, de macaca, e até de Benechita. Ah, mas macaca não foi há tanto tempo! (…) De vez em quando aparece alguém para me chamar de macaca”. (Revista Eparrei, 2º semestre de 2005, p.27)
Nós, mulheres negras, sabemos exatamente o que significam cada uma dessas palavras…
Em dezembro, realizei um dos maiores sonhos da minha vida. Pisei em solo carioca. Conheci o Cristo Redentor e Copacabana. Dancei samba na Lapa e tomei cerveja no mesmo “Amarelinho” que abrigou João Nogueira por diversas noites. Mesmo de longe, vi o Maracanã e o Engenhão. Em uma feijoada na quadra da Portela, ganhei autógrafos do Monarco e da Tia Surica. Mas a vida, que é muito generosa comigo, ainda me concedeu a oportunidade de conhecer Benedita da Silva, por quem tenho grande admiração.
Certamente Benedita da Silva não se lembra daquele abraço, daquela foto tirada no dia 3 de dezembro de 2010. Eu jamais esquecerei.