“Karolina foi o maior estrupício que eu encontrei na vida.
Ah, mulher bagunceira da moléstia, mulher cangaceira…”
Eu gosto muito do tom do Luis Gonzaga dizendo isso, vocês já ouviram? Mulher bagunceira da moléstia…Sempre achei bonito mulher bandoleira. Sempre gostei de ser chamada deste jeito. Sempre ansiei ser dita desta forma. Meu alter ego sempre foi assim: meio devasso e, por vezes, eu também. Mulher bandoleira, digo e explico. Estou falando de liberdade. Acho lindo mulher livre. Livre para amar, para se entregar e entregar tudo o que não tem. Acho lindo a liberdade de não ter medo de dizer: sim, morro por ti! E como é verdadeiro no momento dito e não mais num possível momento real. O que importante é saber-se capaz de dizer. É ter a coragem, a vontade e a leveza de dizer: morro por ti! e não morrer. As mulheres livres, que sabem partir, são as que, penso eu, mais sabem ficar. E, como num espelho, fica melhor que sabe que a estrada é uma opção, sempre. Bandoleira, coração em trânsito, mala permanente no pensamento. Já faz um tempo descobri que sou cigana, irrequieta, e que gosto de chegadas e partidas, mas amo mesmo é a estrada. Percursos. Caminhos. “Mei da rua”, como dizia minha avó. “Bater perna” diz, entre risos, minha mãe. Sair do lugar, eis o mote. As experiências costumam ficar onde eu gosto que estejam: em mim. Não na memória, insegura e frágil, mas na pele, nas palavras que passo a usar, no jeito de me mover, de reagir às situações, nas ruguinhas ao redor dos olhos que franzi pra ver melhor ou por tanto rir, na forma de andar, de gesticular, nas idéias que vou construindo. Andarilha, gosto de ir e voltar. De passar pelo mesmo lugar, que já não é mesmo, nem mesmo em mim. E de ir aonde eu nunca fui, mesmo quando era outra. Gosto de tudo isso e gosto de quem representa isso assim, pra mim. Escolhi três bandoleiras pra falar aqui, elas que tanto me dizem, sendo ditas: Radical Chic, Gata do Laerte e a Graúna.
O que eu mais gosto na Radical Chic é a compreensão que ela tem dos próprios limites. E, claro, seu lado chacrete (um tantinho de paetê faz um bem danado). Como ela, eu bebo. Somos insatisfeitas, às vezes ácidas, incontestavelmente otimistas, senão porque ainda estaríamos insistindo nesse negócio de felicidade e amor? Inteligente, culta, bem humorada e o que se pode querer mais do que ser a melhor companhia possível pra nós mesmas? Penso, logo mudo de idéia, eis o mantra da Radical Chic que eu adoto com alegria.
A Gata do Laerte também sabe ser livre. Liberada talvez seja um termo ainda melhor. Independente, fica com seu Gato – ou não – pelo prazer que sente em querer bem. Gosto do riso interno que parece acompanhar a Gata em todas as situações. Rir-se de si mesma e do mundo que a cerca, eis uma lição a se aprender. Sexo não é tabu, é demanda, a Gata se sente confortável com seu corpo, com sua fome, não escamoteia necessidades nem se apega a elas. Vive com intensidade. A Gata é malandra, perspicaz, irônica, desbocada, irreverente. Ela se sabe parte integrante do ciclo da –boa – vida. Não tem vergonha de ser frívola. Ela não se omite em ser profunda. Ela não deixa de ser, outro tanto que eu vou seguindo com atenção.
Outra que é voraz e resolvidinha em relação ao sexo é a querida Graúna. Quando penso na Graúna é sempre com saudade de mim, da menina-moça que lia avidamente as tirinhas do Henfil. Quando penso na Graúna é sempre com vontade de um vir-a-ser, uma necessidade de me espelhar e ser mais eu sendo, um tanto, ela: ácida, corajosa, desbocada, sensual e muito segura de sua identidade a ponto de se submeter quase masoquistamente ao seu homem. Inquieta, a Graúna nunca deixa de interrogar-se e ao mundo que a cerca. A Graúna me fez pensar sobre tantas coisas: ditadura militar, relacionamentos, fome, amizade, resistência. Nunca tenho certeza se aprendi com ela ou se nela encontrei pensamentos e comportamentos que, secretamente, cultivava. Mas suas perguntas não são estéreis e sérias, são intrigantemente irônicas, um convite ao riso, ao escracho, ao exagero, ao excesso. A Graúna é personagem-minoria, nordestina, não sabe ler, é influenciável e tem o corpo totalmente distorcido em relação a padrões de beleza. Como aceitar ser como ela? E, ainda assim, mesmo a Graúna tendo o corpo totalmente distorcido em relação aos padrões de beleza (mesmo os padrões de beleza “passarinhísticos”), agindo de forma ingênua, mantendo-se assiduamente desinformada sobre vários assuntos, com comportamento marginal, como não desejar ser como ela? É só pensar no seu magnetismo, na atratividade, no encanto. Ninguém confunde a Graúna com ninguém. Ela sabe se fazer inesquecível, imprevisível, indescritível e vários outros “is” que se puder pensar.
A Graúna é filha de um rompante de humor cáustico de Henfil e pertence à família fora do padrão composta por um cangaceiro e de um bode. Divertido não? Seu corpo que parece um ponto de interrogação e sua postura é sempre cáustica. Costuma expressar-se com o corpo todo e, quando emite uma opinião, geralmente escandaliza orellanas e zeferinos; talvez seja isso que mais a embeleza, sua segurança extrema de que deve dizer o que deve dizer, mesmo que a seguir mude de idéia. É a única ave da redondeza, mas é tão impactante que parece uma multidão. Outra característica admirável: não tem tamanho certo, mede o que seu desenhista quiser e já foi mulherão em algumas tirinhas, ponto de interrogação em outros, já esteve grávida – curtindo seu ovo – já abortou, quebrando o ovo na maior tranqüilidade, já foi atleta das Olimpíadas na Caatinga. Aparece em todo canto que tiver alguém com bom gosto de curtir as obras do Henfil. Atualmente, vive em páginas já amareladas, nos scanners de nostálgicos, na memória de uma ruma de gente e em alguns blogs insistentes. Como nos que escrevo.