“Olha, sou contra bater em mulher. Até porque, né? Bater em mulher não é legal. Assim, não é legal bater em ninguém. Não é uma coisa só de mulher, né? Essa coisa de gênero aí que vocês falam. Violência não é legal, não vamos separar as coisas. A gente tem que ser contra todo tipo de violência”.
“Ah não acho legal esse negócio de violência contra a mulher não. Mas vocês exageram com essa coisa de aborto. Olha tem tanta coisa acontecendo, né? O mundo tá cheio de problemas, não acho que o aborto vai resolver as coisas não”.
“Caramba, como você é mal humorada. É uma brincadeirinha. A propaganda falou dessa coisa do charme, que todo mundo tem que ter, não é só mulher que tem que saber seduzir, não. A propaganda é massa. Você tá é com inveja da Gisele”.

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Como diria minha eterna guru espiritual, Kátia: não está sendo fácil. Essas frases não foram ditas assim Ipsis litteris mas, mais ou menos, foi isso que ouvi nos últimos dias.
Embora tratem de temas diferentes, essas frases me intrigaram. Ao relembrá-las percebi que todas elas tinham um fundo em comum, todas queriam me dizer o seguinte: “a gente até entende que você fale dessas injustiças que você acha que existe, mas ficar falando de autonomia e apontando o tempo todo o machismo invisível na sociedade, não pode não”.
Vejo que o discurso é uníssono quando o assunto é violência doméstica. Claro, ninguém é a favor da violência. Porém, parece que para ser uma “vítima legítima”, daquelas que merecem indignação, a mulher que sofre violência doméstica deve ser passiva, quase uma santa. Assim como as mulheres vítimas de estupro. Não nos esqueçamos que sempre que uma mulher é violentada, sua vida pessoal passa a ser colocada em julgamento: “será que ela traía o marido?”, “tava bêbada na festa?”
Quando o assunto é que as mulheres assumam suas vidas, sejam autônomas, lutem por aquilo que acreditam e que não está de acordo com aquilo que está colocado como “normal”, aí as coisas complicam.
Ora, mulher boa é aquela submissa, não totalmente, até porque a gente não gosta de Amélia, né? A gente até entende uma revoltazinha de vez em quando, mas o tempo todo não, né? Mulher boa é aquela que não questiona o status quo, é aquela que não aponta o machismo, onde só vemos “uma brincadeirinha”. Mulher boa é aquela que não briga quando é retratada como objeto sexual em propaganda de tv. Porque se você acha a propaganda da Gisele ruim, é porque você é feminista, feia, chata, gorda, e mal comida.

Então, a minha leitura sobre algumas atitudes nas redes sociais e na vida real também, é que questionar o poder vigente, lutar por autonomia, discutir a legalização do aborto, discutir o machismo propagado por um comercial não é coisa de mulher. Tempo bom era aquele que os homens tinham total controle sobre a vida e o corpo das mulheres.
Mas tenho um péssimo recado para os machistas, aqueles que adoram arrotar seu machismo por aí e aqueles que não se consideram machistas e que na verdade são vítimas do patrulhamento desses extraterrestres, ops, feministas: a luta contra o machismo é diária. Ela acontece na casa, na universidade, na discussão em redes sociais, na exigência de políticas públicas, nas campanhas de massa. Não vamos sossegar enquanto mulheres continuarem a ser mortas, estupradas, violentadas, objetificadas, abortar clandestinamente. Não importa quem nos ofenda: o papa ou a gisele.