Quando pensamos em violência contra a mulher, facilmente somos capazes de fazer a associação com o tema da violência doméstica. É um tema relativamente em pauta, há lei específica, transversaliza as trajetórias e identidades de muitas pessoas. Contudo, costumamos pensar em um homem comentendo as agressões. Creio que dificilmente passa pela cabeça de alguém, ao menos não de forma imediata, uma mulher cometendo este tipo de violência com outra mulher; com sua namorada, parceira, esposa. Mas é, acontece!
Gostaria de comentar que a Lei Maria da Penha, embora não explicite a questão lésbica, já tem sido aplicada nesses casos. Não gostaria de me ater a isso, mas creio que seja bom pontuar. Quero mesmo é chamar a atenção para outros tipos de violência que podem ocorrer. Às vezes, as manifestações simbólicas são muito mais dolorosas, complicadas e profundas do que aquelas que se expressam direta e claramente sobre nós. A violência psicológica é um grande problema: não sabemos onde procurar ajuda, o que se deve fazer, quais são as nossas opções e, eventualmente, nem somos capazes de perceber como uma forma de violência.
Há muitos casos de lésbicas que relatam esse tipo de abuso, mas que não sabem o que fazer. Muitas vezes, sua sexualidade ainda é um segredo, não são todas as pessoas que sabem sobre sua homossexualidade, o que torna a procura por ajuda um processo muito mais difícil. Não há com quem falar, onde procurar ajuda. A questão não é simples porque nossa orientação sexual dá certos contornos e atribui certas especificidades a nossa relações. Da mesma forma como um transexual precisa de um atendimento no SUS sensibilizado a sua questão, as mulheres lésbicas precisam dessa sensibilidade para se sentirem à vontade para revelar aquilo que por diversas vezes ainda lhe causa algum tipo de desconforto ou constrangimento, pois as pessoas não sabem lidar e acabam fazendo tudo ao contrário daquilo que seria o mais apropriado.

Já existem algumas pesquisas na área que revelam algumas estatísticas sobre a questão específica. O mais alarmante é mesmo o fato de a violência não se encerrar pela vergonha de se assumir lésbica no processo de denúncia. A questão não seria de uma vergonha sobre a sua identidade, sobre o sujeito que se é, mas pelo tratamento que lhe será dispensado caso esse fato torne-se claro. Isso é ainda mais preocupante, pois revela o despraparo de diversos setores do serviço público, ou mesmo do privado, para com a questão lésbica (bom, poderíamos aplicar isso a toda a população LGBT, né?!).
Seria ilusório pensar que neste tipo de relação não haveria manifestações de violência já que se trata de duas mulheres e, afinal, as mulheres são muito delicadas e meigas, não brigam. O machismo, o patriarcalismo está dado em nossa sociedade, e se sobrepõe sobre todos, inclusive mulheres. É preciso contestá-los, não há dúvidas, mas também entender que a condição/categoria mulher não torna ninguém, automaticamente, menos machista. Os valores existem e não prestam atenção se somos homens ou mulheres na hora de sua imposição.
Também revelam-se casos de estupro entre mulheres em um relacionamento estável com outras mulheres. Costumamos pensar neste tipo de violência e ligá-la diretamente à idéia de penetração, de uma extrema força física que só um homem seria capaz de ter. Não é bem assim: muitas mulheres revelam já terem sido obrigadas a fazer sexo com suas parceiras (casuais ou estáveis), com um uso maior ou menor de violência, mas o problema continua sendo o mesmo. Na minha ideia, qualquer pessoa que envolve-se em um ato sexual sem consetir com isto está sendo vítima de estupro. Sem falar no muitas vezes comentado “estupro corretivo” – quando uma mulher lésbica é violentada sob o expresso argumento de que esta é a maneira de corrigi-la, de torná-la uma mulher “de verdade” (ou seja, heterossexual).
As ações políticas precisariam ser mais direcionadas para atender à necessidade desta população. Não se pode esperar que todas sejam capazes de enfrentar todos os seus medos de uma só vez. Esperar que a coisa chegue ao limite para, então, ir atrás de fazer uma denúncia também não soa como uma boa opção – sabe-se lá o que pode acontecer neste intervalo de tempo. É claro que também falta vontade política, uma vez que a população LGBT já é muito marginalizada, a visão que se tem das lésbicas é ainda pior; até porque “são mulheres, né? não se pode esperar grandes coisas”. Ainda é preciso abrir os olhos, e estar disposto a isso, para compreender as diferenças e, mesmo quando sem sabê-las muito bem, ser capaz de sensibilizar-se.