Ser mulher na 2° Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos de LGBT

A categoria de “mulher” é complicada. Enquanto sujeitas, parece que precisamos ao menos pensar na ideia de pluralidade nesse sentido. Somos mulheres, temos corpos diferentes, vidas únicas. Somos várias em um plano heterogêneo, impassíveis de justaposição.

Sou mulher? Bom, tenho um corpo muito distinto de todos os outros, mas a categoria me foi determinada a partir das minhas semelhanças e funções sexuais identificadas por alguém que, acreditem, não sou eu. O que é diferente no meu corpo diz respeito apenas a uma anormalidade, a um desvio em relação ao modelo-padrão homem/mulher. Vivemos sob um império semelhante àquele encontrado no mundo perfeito, universal e imutável das ideias de Platão: as coisas do nosso mundo são exemplos imperfeitos daquelas encontradas na esfera das formas/ideias. Esse é o problema: tenho uma vagina que já possui uma função sexual e social definida de maneira heteronormativa e universal, e minha identidade se moldou a partir daí. Minhas diferenças são escamoteadas na medida em que aceito o silogismo “quem tem vagina é mulher / tenho uma vagina / logo, sou mulher” (… mas e se eu também tivesse um pênis ou traços da genitália masculina?). O difícil é constatar as consequências de tal definição para nossas práticas sexuais: heteros ou não, tendemos a usar nosso corpo como a limitação heteronormativa propõe. É só boca-vagina, pênis-vagina, mão-vagina. E daí vem o vagina-vagina e afins. Por isso sou mulher? Para a instituição heterossexista, sim. Pra mim, não.

Brasília – Abertura da 2ª Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Foto de Marcelo Casal Jr./ABr

Sendo determinadamente “mulheres”, precisamos entender o que isso significa e verificar se queremos aceitar essa categoria. Precisamos pegar o conceito de mulher de jeito e perguntar o que ele quer com a gente e com os outros. Vamos propor novos acordos, vamos mostrá-lo que ter ou não ter vagina não implica ser mulher. Mas para isso temos que enfrentar aqueles possessivos e intransigentes com a definição. Além disso, devemos perceber a importância da participação de todxs que não são heteronormativamente mulheres mas precisam se envolver da mesma maneira com a questão.

Por isso e por diversos outros motivos, como é maravilhoso estar na 2° Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos de LGBT. Como é emocionante perceber que estamos caminhando para algo além dessa oposição binária de determinações simplistas. Somos mulheres, mas ser mulher não significa ter uma vagina, ser heterossexual ou se opor aos homens – ou aos quatro dos cinco sexos sugeridos pela Anne Fausto-Sterling em The Five Sexes: Why Male and Female are not enough (leia o original ou a tradução), publicado em 1993.

Autora

Michelle Borborema é filósofa. Pluralidade sempre.