Sempre fui uma criança fácil de agradar, qualquer coisa era uma diversão pra mim. Brinquedos simples ou caros, não faziam diferença. Assumo que o brinquedo que eu me lembro melhor e com mais saudades da minha infância, foi um balanço que meu avô fez pros primos no quintal da casa dele, meu avô adorava fazer coisas com madeira. Eu adorava aquele balanço! Quantas vezes já brinquei e briguei com meus primos por causa dele!
Eu também adorava bonecas, mas não era pra brincar de casinha ou ficar vestindo roupas. Eu gostava de cortar os cabelos e tingi-los com canetinha. Já tive Barbies com cabelos roxo, rosa, vermelho, de corte joãozinho, channel e alguns cortes indeterminados. Meu pai tinha uma mania péssima de me dar brinquedos e presentes estranhos. De alguns eu gostava, mas de outros…
Lembro que meu pai sempre me dava brinquedos feitos para moldar a “futura mulher perfeita” que algum dia eu seria. Forninhos de brinquedo que assavam bolos de verdade, fabriquinhas de sorvete, máquinas de costura e, claro, uma escovinha elétrica. Afinal, o que mais eu poderia desejar ser além de uma ótima dona de casa que sabe cozinhar, costurar e manter sempre meu cabelo impecável?

Assumo que me divertia horrores assando bolinhos de verdade no forninho e comendo (Gorda Feelings), que adorava fazer sorvetes, que nem sempre davam certo, na fabriquinha. Mas, qual o motivo de dar uma maquininha de costura ou uma escova elétrica a uma menina de 9 anos de idade?
Se notarmos, os presentes sempre foram divididos entre presentes para meninos e presentes para meninas, todos sempre com cores bem sugestivas que provam que só meninas gostam de bonecas e só meninos gostam de carrinhos. Eu sempre adorei brincar de carrinho e de bola com meus primos, da mesma forma que sempre gostei de brincar de boneca.
Mas o meu pai, claro, escolhia os presentes que todo pai ou mãe machista escolheria para suas filhas, sem pensar muito se era isso ou não que eu desejava. Os presentes para mim, para minhas irmãs e para as enteadas dele eram sempre os mesmos, enquanto que para o enteado dele, eram sempre carrinhos, bonecos de ação e bolas de futebol. E, vendo como era a criação e o pensamento dentro da casa dele, era até normal esperar esse tipo de presente.
Minha mãe já tinha o costume de perguntar o que queríamos de presente de natal. Além de, claro, não ter mentido para a gente em relação ao papai noel, que meu pai fazia questão de reforçar a “existência” mesmo sabendo que minha mãe não era de contar mentiras para nós. Ele fazia todo um clima de suspense, não só no natal, mas também na Páscoa, com o coelhinho.

O significado real do natal não é o presente, mas, em uma relação como a minha com meu pai, onde sua presença só existia em datas comemorativas, sua forma de lidar com essas datas eram muito importantes para a minha criação. Como ele lidava com os presentes, quais presentes comprava e como lidava com toda a preparação para a ceia. O pouco que convivemos com nossos familiares pode sim influenciar em nossa educação. Pais (mães) ausentes são pais (mães) que se mostram pouco e devem entender que o pouco que fazem vira icônico para @s filh@s.
Ao meu ver, meu pai desejava que eu fosse completamente diferente da minha mãe, que se preocupava bem menos que o “normal” com arrumação da casa, que não se importava em viver maquiada ou de cabelo feito e que não tinha o costume de se enfiar na cozinha para fazer quitutes e pratos elaborados. Afinal, o cozinheiro de mão cheia aqui em casa sempre foi o meu padrasto, que fazia o tender, a rabanada, o melhor strogonoff, a melhor macarronada e a melhor panqueca que já comi!
Tento lembrar de memórias onde minha mãe estava sozinha na cozinha, na véspera do natal, se matando de cozinhar, enquanto meu padrasto tava sei lá, conversando com algum parente. Isso nunca aconteceu, as tarefas são e sempre foram divididas, cada um faz sua parte e tudo fica tão mais divertido e leve para todos.

Também não me lembro de minha mãe passando horas no salão, fazendo unha, cabelo, depilação essas coisas. Minha mãe foi começar a ir em salão de beleza agora. E sempre naquela correria de mulher que trabalha fora, marca, vai e, depois que terminou, corre pro trabalho.
É claro que por mais icônica que as atitudes do meu pai fossem, o maior peso sempre foi a educação dada pela minha mãe e pelo meu padrasto, então, não me moldei a “mulher perfeita”, diferente da minha mãe, que meu pai achava correto. Vejo que esse era o desejo de meu pai, porque olho como minha meia irmã e as suas enteadas pensam hoje em dia e vejo que se moldaram ao estilo mulher prendada. Sem contar que minha vó paterna também não me dá dúvida alguma de qual é o pensamento de meu pai em relação ao que é um exemplo de mulher para ele. A mulher prendada, a mulher calada e sem opinião, a mulher dona de casa que coloca comida no prato de seu marido e filhos.
Não critico a mulher que deseja ser assim, critico a mulher que é assim sem pensar se ela realmente deseja isso. Uma mulher que não teve direito de escolha, foi moldada desde nova para ser apenas a dona de casa. Critico a falta de escolha, a obrigação de se dar presentes específicos para meninas, moldando-as para não questionar as posições que a sociedade as impõe. Não só para elas, mas aos meninos e futuros homens também.