As Musas Feministas de Sampa

Amanhã é aniversário de Sampa e alguma coisa acontece no meu coração. Cidade que amo, essa, onde nasci e cresci. Piegas, clichê, óbvio. Mas é Sampa, gente. Tem arranha-céu, tribo indígena, cachoeira, reserva florestal, acidente de moto, rio fedido. Eu sei, parece ruim. Mas tem um super movimento de bikes. Tem movimentos sociais pra todos os gostos. ONGs, institutos. Tem cinema. Galerias. Tem Semana de 22. Tem Praça da Sé lotada em manifestação pelas Diretas Já. A Paulista, essa coisa bizarramente monumental. Com casarões! Dezenas de SESCs pra lá e pra cá. CEUs, que antes funcionavam melhor. Sabe o que mais tem?

Mulheres! Mulheres feministas!

(Não que outras cidades não as tenham, claro)

A história de Sampa é recheada de musas feministas incríveis que todas admiramos. Muitas delas não nasceram aqui (como grande parte de nossa população) mas fato é que se tornaram conhecidas aqui. Tentaram a vida e conseguiram. Pra celebrar amanhã o aniversário de Sampa, me dei o direito de trazer pra vocês uma pequena listinha com essas mulheres fantásticas e um pouquinho das conquistas que trouxeram direta ou indiretamente às mulheres brasileiras de forma geral. Armem suas mentes e completem as que faltaram nos comentários!

Minha primeira musa feminista paulistana!
Sueli Carneiro, do Geledés.org.br

Começo por Sueli Carneiro, uma mulher contemporânea nossa. Uma feminista histórica, cuja produção intelectual deveria ser declarada patrimônio nacional do Brasil. Negra, Sueli sempre militou pelas pautas das mulheres negras no feminismo. Como já dissemos aqui no blog, é um debate para o qual o feminismo pouco olha, de forma geral, infelizmente. Sueli é pioneira. Fundou o Geledés, núcleo de estudos da mulher negra, e tivemos a super honra de recebe-la em nosso 1º Encontro Nacional de Blogueiras Feministas. Sueli me dá orgulho de ser paulistana e se hoje a militância das mulheres negras influencia meninas a construírem sua autoestima, a lutarem contra o racismo, devemos muito a Sueli.

Marta Suplicy por Elisabete Alves, divulgação

Ainda no campo da política, podem me xingar, mas me gabo de Marta Suplicy. Me gabo de compartilhar a cidade e a prefeitura, me gabo de tê-la eleito, me gabo de ter votado nela. Sim, sim, sim. A atuação de Marta, porém, ultrapassa o campo da política. Na televisão, Marta falava de sexo e outros assuntos verdadeiramente “tabu” numa época teoricamente mais conservadora que a nossa. Marta escreveu livros de sexologia e contribuiu com sua militância para a liberdade sexual que temos hoje. Mais recentemente, voltou-se sobretudo aos direitos de gays e lésbicas, outra contribuição significativa para a vida das mulheres brasileiras.

Rita Lee, por Roberto de Carvalho, divulgação

Mudando de ares, Rita Lee é a americana famosa por seu amor à cidade. Irreverente da juventude à velhice, Rita participou como uma das poucas mulheres do movimento tropicalista na década de 60 e 70. Movimento que mudou a cara da música brasileira. Roqueira e biscate, Rita quebrou uma série de paradigmas em sua época de juventude, sobretudo as grandes bobagens sobre “moças bem-comportadas”. Usuária de drogas, cantora, livre. Assim era Rita. Se aprochegue um pouco mais do trabalho da compositora e roqueira em seu site oficial.

Auto-retrato de Tarsila. 'Manteau Rouge'-1923

Assim como os anos 60/70 o modernismo brasileiro também foi um prato cheio pra revolucionar o comportamento das mulheres no Brasil. Talvez sem Pagu, Tarsila e Anita, Rita Lee não tivesse a liberdade mínima para promover mais liberdade. “Pagu” é, inclusive, título de uma de suas músicas feministas (entre tantas): “sou Pagu indignada no palanque”, diz a letra. Refere-se a Patrícia Galvão, que não era paulistana mas fez sua vida, estudos e carreira em Sampa.

Pagu. Wikimedia Commons em CC.

Pagu escreveu. Escreveu, escreveu, escreveu. Ensaios, textos pra jornal, romances. Comunista, Pagu já trazia ao comunismo brasileiro o debate de gênero, relegado até hoje a um segundo ou terceiro lugar ingrato nas pautas partidárias. Além de sua produção intelectual, Pagu contribuiu com suas próprias atitudes para que nós pudéssemos ser o que somos hoje. Casou-se com um homem muito mais velho e separado, por exemplo. Participou de greves e viajou sozinha deixando marido e filhos no Brasil.

Anita Malfatti, Auto-retrato (1922)

Outras modernistas que quebraram paradigmas para a época foram Tarsila do Amaral e Anita Malfatti. Em primeiro lugar, por se dedicarem profissionalmente à arte, viajarem, tomarem conta de seus próprios narizes e carreiras. Em segundo lugar, por engajarem-se politicamente no movimento modernista, que ultrapassava a pintura e a literatura. Anita, ainda por cima, tinha uma deficiência nas mãos, o que indica que ela quebrou ainda outros preconceitos em sua trajetória.

Zezé Motta, divulgação Revista Afro

Ainda nas artes, tivemos a honra de estrelar em nossa cidade incríveis atrizes. Logo de início vou me gabar de Zezé Motta. Também não é paulistana essa fera mas fez carreira em São Paulo, nos primórdios do que viria a ser o Teatro Oficina. Além de sobrepor muitas barreiras sendo uma mulher negra no teatro, Zezé sempre foi firme e forte em sua militância no movimento negro. Fundou e é presidenta do CIDAN – Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro. A luta pelas cotas em espetáculos, a memória histórica de artistas negros são duas vitórias que devemos a Zezé.

Cacilda Becker em Esperando Godot (1969), divulgação

Cacilda Becker era branca e tampouco paulistana de nascença. Teve três maridos e vivia para si e para o teatro. Desde cedo era boêmia. As interpretações memoráveis são até hoje celebradas por estudiosos do teatro (recomendo o trabalho da antropóloga Heloisa Pontes, “Intérpretes da Metrópole”, sobre as mulheres no teatro e na intelectualidade artística paulistana no século XX). Não só no teatro mas em relação ao comportamento, Cacilda também foi responsável por diversas liberdades que temos hoje.

Depois dessa listinha inspirada, que tal vocês me contarem agora, nos comentários, das outras mulheres de Sampa que vocês admiram e, mais ainda, das musas feministas das cidades de vocês? Valendo!