Li por aí sobre um fetiche: transar com caras ricos. A menina fica excitada só de ouvir falar em uma conta polpuda no banco.

Ora, eu não vou julgar fetiches. Não creio que as pessoas sejam totalmente livres para escolherem quem amam, que dirá por quem sentem tesão. Temos histórias que nos predispõem a gostar mais de um ou outro alguém. Traumas, neuroses, questões. Isso é óbvio – eu só vou amar, ou gostar, daquelas pessoas que passarem por esses filtros.
Então não vou julgar ninguém individualmente, a mulher que gosta disso ou daquilo. Porque a mulher individualmente faz o que ela quiser. É direito dela.
Mas posso questionar, sim, a cultura que permite, ou incentiva, isso acontecer. Ou seja: se esse fetiche é uma sinal de alguma outra coisa. Porque esse não é um desejo incomum. Não são poucas as mulheres que pensam assim, são várias. Apesar do feminismo, apesar de termos conquistado direitos, apesar de trabalharmos e nos sustentarmos. E mesmo as que não decidem, de forma deliberada, só transar com caras ricos, mesmo assim podem pensar que é obrigação do homem ser o provedor.
Vejamos: quantas pesquisas de psicologia evolutiva a gente não vê que justificam exatamente isso? Que a mulher, por razões biológicas, procura um cara “provedor” para ajudar a criar a prole, enquanto o homem procura uma mulher bonita e jovem para carregar seus genes? Quantas pesquisas não são feitas para comprovar que isso é natural, biológico?
Então se tem isso, é porque é interesse de uma cultura dominante, de um sistema, manter os homens como provedores e as mulheres como dependentes. Para manter o controle e a hegemonia masculinos. Porque a tara da menina não é transar no lençol de mil fios que ela comprou com o dinheiro dela – é transar no lençol de mil fios que o rapaz comprou com as cabeças de gado dele. Então tem uma questão aí, sim. Uma questão que essa preferência mostra: que na nossa sociedade, homem desejável ainda é o que tem grana, e a mulher desejável é a que tem “bons genes”, é bonita, limpinha, cheirosa, enfim, quase uma mercadoria. Então é claro que isso vai existir. É assim que a coisa opera, certo? A gente (muita gente, enfim) acaba DE FATO se apaixonando por quem mandam a gente se apaixonar. Não é tudo frio e manipulado – a coisa opera de forma a de fato moldar os desejos. Não dá pra separar onde começa o desejo individual e o moldado pelo coletivo, porque está tudo meio misturado. Possivelmente, não existe desejo totalmente individual. Então a menina está fazendo o que sempre ensinaram pra gente: ir atrás do cara que tem dinheiro, que possa te sustentar. Esse sim é o cara, o bom partido. E a maior sorte que uma mulher pode ter não é ela mesma conquistar seu dinheiro, seus bens, suas coisas. É ter alguém do lado que possa bancar isso pra ela.
Não acho errado, não estou julgando. Mas acho sintomático.