Texto de Marcelo Caetano e Catarina Corrêa.
No ensolarado dia 13 de Janeiro, no bairro Sudoeste da capital federal, Marcelo Caetano e Catarina Corrêa se encontravam com Debora Diniz, cientista social, professora da Universidade de Brasília, mulher, feminista, para realizar uma entrevista em nome das Blogueiras Feministas.

Detentora de um currículo invejável, não sabíamos muito bem o que nos aguardava. A ansiedade era grande; as expectativas eram muitas, e a curiosidade, enorme. Os 40 minutos que nos foram prometidos para a conversa, foram agradavelmente tranformados em mais de uma hora que, aliás, compreendia também a sabatinagem e conversa tranquila, enquanto conhecíamos seu ambiente de trabalho.
Falar de Debora Diniz não é uma tarefa fácil: são muitas as suas linhas de pesquisas, são variados os seus títulos, é extensa sua produção. Manter o foco da conversa era um grande desafio, uma vez que tudo nos parecia interessante e digno de um longo debate. Começamos questionando-a sobre sua trajetória, como chegou ao lugar em que hoje se encontra. Sua resposta era plena de paixão, embora nos levasse a várias outras divagações possíveis e desejáveis, mas que, em função do tempo, foram suprimidas e tivemos que ser comedidos. O tema das mulheres, mais especificamente do aborto, é recorrente e, provavelmente, aquilo que lhe rendeu mais projeção, não apenas no meio acadêmico. Contudo, vale notar que não fala das mulheres como ouvimos por aí: talvez, até sejam mulheres que vemos por aí, que poderíamos encontrar em um ônibus ou na fila da padaria, mas são as mulheres que não seriam ouvidas de outra forma, mulheres silenciadas pelas contingências diárias, pelos percalços da vida que as fizeram mudas até então.
Tratar do aborto a partir da questão do aborto de fetos anencéfalos foi uma escolha política, um passo estratégico e bem calculado, uma vez que sempre esteve ciente dos “desafios argumentativos” que o tema carrega consigo. Nossa sociedade ainda não estava (já está, hoje, no momento presente?) pronta para enfrentar face a face o dilema moral do aborto, para aceitar que esta é uma escolha da mulher sobre o que fazer com o seu corpo. Desenharam-se os primeiros passos rumo a esse entendimento, mas partindo de um pressuposto anterior. Ainda assim, questiona: “Por que obrigar uma mulher a ficar grávida contra sua vontade?”
Assita aqui ao documetário “Uma História Severina”
Reiterando a diferença entre o valor político e o caráter de verdade (ou de vontade de verdade) – como já debatemos em um outro post – , Debora Diniz trata do feminismo em sua vida de uma forma peculiar. Pelas suas práticas e posicionamentos, diríamos que Diniz é uma mulher feminista. Todavia, ela não considera que isto seja uma qualidade, um adjetivo: “feminismo é substantivo”. Hoje, entende que já pode colocar seus posicionamentos mais livremente, pois tem seu lugar de fala assegurado e respeitado; em outras circunstâncias, era preciso dar um passo para trás para fazer-se ouvida, para conquistar a atenção dos que se dispunham a debater com ela. Dar um passo atrás em não se afirmar feminista em determinados espaços era uma manobra política, era a garantia da possibilidade de diálogo que pretendia transformar de dentro espaços aprioristicamente fechados ao feminismo.
A questão da loucura tem exercido um fascínio particular nos últimos tempos. Debora Diniz parece ser levada por interesses ‘flutuantes’; os temas vão surgindo e acabam por lhe fisgar, cada um de maneira particular, mas todos de forma muito intensa. Entender os desafios que a loucura coloca sobre nosso corpo social ainda hoje, diante das pressões, controles e repressões, é seu mais novo desafio. Questiona o controle da ‘anormalidade’ a partir do uso do castigo: como e para que punir o ‘desviante’ quando nem muita certeza temos sobre seu desvio? O castigo como forma de conter as diferentes expressões e representações não nos parece fazer muito sentido, mas é isto que a pesquisadora tem observado que se dá na realidade concreta; nós sabemos mesmo que é isto que acontece, mas continua a não fazer sentido, ainda que empiricamente observado.
Diniz sabe da importância de sua produção audiovisual e reconhece que é esta que, mais do que seus artigos, tem atraído estudantes até ela. Um dos trechos de seu documentário “A Casa dos Mortos” já foi visto mais de um milhão de vezes no YouTube. Ainda que a cena específica reproduza o estereótipo de alguns virais em que se ri da ‘loucura’ e falta de jeito alheios, o número é significativo. Um público que não seria alcançado pela produção acadêmica tradicional está sendo paulatinamente fisgado. Eventualmente, acabam por ver o documentário na sua integralidade e acabam, também, por conhecer outras produções, ou mesmo outros materiais que não são da autoria de Diniz, mas que contribuem para o debate.

No momento, os planos e projetos são muitos. A questão da homofobia é uma que tem se apresentado fortemente. A pesquisadora nos contou que acredita mesmo que a história a ser contada seria a das travestis, o segmento mais marginalizado e violentado da população LGBT. Porém, entende que esta é uma história que o público ainda não está pronto para ver: ela conta aquilo que lhe interessa, mas também não deixa de pensar politicamente, pensar naquilo que mais pode atrapalhar do que ajudar nos avanços políticos.
A conversa foi longa e proveitosa. Muitas histórias podem e ainda serão contadas. Muitas ideias, muitos projetos. Importante é dizer que Debora Diniz tem alcançado espaços de difícil acesso, espaços que dificilmente seriam preenchidos por outras pessoas. Gostaríamos, finalmente, de agradecer sua disposição em nos receber e por dar voz aos que são cotidianamente calados;. algumas vezes, a mordaça do silêncio é tão grande que não há nem como pedir por voz e, então, precisamos de alguém que nos dê esta voz, mas que não se precipite a querer falar por nós.
Entrevista de Debora Diniz a UnB Agência: “A pergunta sobre o início da vida é uma armadilha para o debate sobre aborto no Brasil”.