Que os desfiles expõem a figura feminina jovem, magra e de corpo escultural enquanto submetem senhoras à roupas pesadíssimas para encobrir todo seu corpo, não é novidade mas, esse ano me chamou a atenção o samba enredo da escola paulista Vai-Vai sobre as “Mulheres Que Brilham”, subtítulo “a força feminina no progresso social e cultural do país”.

Em um primeiro momento, nutri esperanças sinceras de que esse festejo finalmente fizesse um serviço cultural ao país, abordando a questão dos gêneros e enaltecendo figuras femininas importantes na história, aproveitando que temos uma presidenta em exercício no Brasil.
Mas, infelizmente, a letra foge completamente ao recorte de enaltecer a figura da mulher, retomando estereótipos do período Romântico, da musa que não se aproxima do artista, apenas inspira-o. E, incorrendo também no discurso que mulheres “de verdade” são as mães e donas-de-casa, somente elas.
Quem patrocina o enredo da Vai-Vai em 2012 é a marca Bombril. A mesma que fez uma campanha chamada “Mulheres Evoluídas” em 2011, para atrair mulheres jovens com o pressuposto de que elas precisam adestrar seus maridos. Uma publicidade que não retira da mulher o foco do trabalho doméstico e trata os homens como seres sem cérebro, como você pode conferir em Homens, modo de usar.
Tomei a liberdade de procurar a letra do samba-enredo e refletir sobre ela:
Bixiga é alegria, é “bom brilhar”
gira a porta bandeira
rodam minhas baianas
vêm que o show vai começar
“Bom brilhar”, as aspas são do original em clara menção ao estereótipo da dona de casa. Rodam “MINHAS” baianas, sentimento de posse é pouco, isso ainda não tem nome!

A mão de Deus abençoou o meu cantar
fonte de inspiração
a essência de Adão
luz para o meu caminhar
a duras penas prosseguiu a lutar
na graça da india faceira
com a força da negra guerreira
a realeza de grande brio
aos olhos do regente do Brasil
Mulher, musa de inspiração, retomando o Romantismo. Onde as mulheres eram seres endeusados, distantes, desprovidos de voz. Podia-se imaginar o que quisesse delas, afinal elas só eram fonte de inspiração. Também sobre a realeza de grande brio, temos clara referência a um padrão de comportamento rígido exigido na corte brasileira.
Ora ie ieo Mamãe Oxum
liberdade!!!
soam os tambores quilombolas
um sonho que virou realidade (ora ie ieo)
Se o sonho tivesse virado realizado, não seria necesário redigir leis como a Maria da Penha, ou ter medo de sairmos sozinhas na rua. A ameaça do estupro é real, a desigualdade salarial é real, a violência domésica é real, a luta não acabou.
E hoje, tão linda e tão bela
toda passarela a te exaltar
és música, poema
arte a me fascinar
te vejo nas ruas
nos bares, esquinas
és como as estrelas bordando o luar
1001 faces no mundo a brilhar
A obrigatoriedade da mulher ser bonita e o padrão estético das modelos de passarela (que não é viável pra a maior parte dos biotipos femininos) não exalta a imagem da mulher, coage e julga. Levando em conta apenas a aparência.
Senhora da vida
guerreiras na lida
hoje és presidente e me rendo a teus pés
prá sempre te amarei “mulher”

A questão da função social como mulher, sendo útil apenas sendo mãe, a presidência do país, que sim, é uma conquista mas, ainda não existe equidade de gênero na política. Os senadores, deputados, governadores e vereadores ainda são, em sua grande maioria, homens.
Podemos dizer que o samba-enredo não abordou nenhuma personalidade feminina (apenas cita a presidenta, mas não diz nem o nome). Não abordou temas como o Dia Internacional da Mulher, as conquistas trabalhistas, os exemplos em diversas áreas, não abordou o preconceito e diferença social.
É uma pena, pois seria uma excelente oportunidade de usarem o espaço da mídia como o Carnaval para a reflexão das pessoas, teria sido muito útil.
Autora
Aline XD é Nerd (de Exatas)? Bailarina… Feminista! Ah, e gracinha nas horas vagas.