Samba, Carnaval e Machismo

Que os desfiles expõem a figura feminina jovem, magra e de corpo escultural enquanto submetem senhoras à roupas pesadíssimas para encobrir todo seu corpo, não é novidade mas, esse ano me chamou a atenção o samba enredo da escola paulista Vai-Vai sobre as “Mulheres Que Brilham”, subtítulo “a força feminina no progresso social e cultural do país”.

A rainha de bateria Camila Silva desfila com a Vai-Vai no Anhembi/2011. Foto de Fernando Donasci / UOL

Em um primeiro momento, nutri esperanças sinceras de que esse festejo finalmente fizesse um serviço cultural ao país, abordando a questão dos gêneros e enaltecendo figuras femininas importantes na história, aproveitando que temos uma presidenta em exercício no Brasil.

Mas, infelizmente, a letra foge completamente ao recorte de enaltecer a figura da mulher, retomando estereótipos do período Romântico, da musa que não se aproxima do artista, apenas inspira-o. E, incorrendo também no discurso que mulheres “de verdade” são as mães e donas-de-casa, somente elas.

Quem patrocina o enredo da Vai-Vai em 2012 é a marca Bombril. A mesma que fez uma campanha chamada “Mulheres Evoluídas” em 2011, para atrair mulheres jovens com o pressuposto de que elas precisam adestrar seus maridos. Uma publicidade que não retira da mulher o foco do trabalho doméstico e trata os homens como seres sem cérebro, como você pode conferir em Homens, modo de usar.

Tomei a liberdade de procurar a letra do samba-enredo e refletir sobre ela:

Bixiga é alegria, é “bom brilhar”

gira a porta bandeira

rodam minhas baianas

vêm que o show vai começar

“Bom brilhar”, as aspas são do original em clara menção ao estereótipo da dona de casa. Rodam “MINHAS” baianas, sentimento de posse é pouco, isso ainda não tem nome!

A ala das baianas da Pérola Negra faz ensaio técnico/2012. Foto de Rodrigo Paiva/UOL

A mão de Deus abençoou o meu cantar

fonte de inspiração

a essência de Adão

luz para o meu caminhar

a duras penas prosseguiu a lutar

na graça da india faceira

com a força da negra guerreira

a realeza de grande brio

aos olhos do regente do Brasil

Mulher, musa de inspiração, retomando o Romantismo. Onde as mulheres eram seres endeusados, distantes, desprovidos de voz. Podia-se imaginar o que quisesse delas, afinal elas só eram fonte de inspiração. Também sobre a realeza de grande brio, temos clara referência a um padrão de comportamento rígido exigido na corte brasileira.

Ora ie ieo Mamãe Oxum

liberdade!!!

soam os tambores quilombolas

um sonho que virou realidade (ora ie ieo)

Se o sonho tivesse virado realizado, não seria necesário redigir leis como a Maria da Penha, ou ter medo de sairmos sozinhas na rua. A ameaça do estupro é real, a desigualdade salarial é real, a violência domésica é real, a luta não acabou.

E hoje, tão linda e tão bela

toda passarela a te exaltar

és música, poema

arte a me fascinar

te vejo nas ruas

nos bares, esquinas

és como as estrelas bordando o luar

1001 faces no mundo a brilhar

A obrigatoriedade da mulher ser bonita e o padrão estético das modelos de passarela (que não é viável pra a maior parte dos biotipos femininos) não exalta a imagem da mulher, coage e julga. Levando em conta apenas a aparência.

Senhora da vida

guerreiras na lida

hoje és presidente e me rendo a teus pés

prá sempre te amarei “mulher”

Campanha “Mulheres Evoluídas” da marca Bombril/2012

A questão da função social como mulher, sendo útil apenas sendo mãe, a presidência do país, que sim, é uma conquista mas, ainda não existe equidade de gênero na política. Os senadores, deputados, governadores e vereadores ainda são, em sua grande maioria, homens.

Podemos dizer que o samba-enredo não abordou nenhuma personalidade feminina (apenas cita a presidenta, mas não diz nem o nome). Não abordou temas como o Dia Internacional da Mulher, as conquistas trabalhistas, os exemplos em diversas áreas, não abordou o preconceito e diferença social.

É uma pena, pois seria uma excelente oportunidade de usarem o espaço da mídia como o Carnaval para a reflexão das pessoas, teria sido muito útil.

Autora

Aline XD é Nerd (de Exatas)? Bailarina… Feminista! Ah, e gracinha nas horas vagas.