Glee e a subversão do sonho adolescente

Na produção audiovisual norte americana os adolescentes ficam divididos entre dois pólos opostos que jamais dialogam entre si. Um deles é a do adolescente atormentado pela sua condição de crescimento, cheio de dúvidas e crises existenciais, como na cultuada série Minha Vida de Cão, protagonizado por uma adolescente e talentosa Claire Daines e o dramalhão pré-indie Dawnson’s Creek, que lançou a Katie Holmes ao estrelato. A outra ponta é a comédia pastelão, com foco sexual e muita piada de duplo sentido, eternizada pelos clássicos do cinema Porky’s e American Pie — aqui, quanto menos o adolescente pensar e refletir sobre sua condição, melhor — as experiências com sexo, drogas e com os pais são abordadas através do escárnio. O ritual de passagem é sempre revelado, público e ridicularizado.

Felizmente na vida real essas duas pontas da adolescência se unem, se misturam e se equilibram, trazendo novas nuances do que é essa fase, mas poucas experiências cinematográficas ou televisivas conseguiam olhar para o adolescente de forma menos binária. Uma dessas experiências bem sucedidas é o seriado Glee.

Glee, série americana. Divulgação/Fox

Como fomos educados para saber, nas High Schools norte americanas os alunos são divididos entre losers e populares. E como fomos educados para também saber, é natural se contar a história do lado dos vencedores, mas não em Glee. Glee conta a história do lado dos outsiders: nenhum personagem se encaixa totalmente no status quo vigente e são permamentemente lembrados disso.

A trama

A história se passa em uma cidade fictícia do Estado de Ohio, num colégio público que recebe pouco finaciamento do governo. Um professor idealista (Will Shuester, interpretado pelo ator Matthew Morrison) decide retomar as atividades artísticas do colégio através da reativação de um clube de canto, extinto desde que ele era um garoto. Para as vagas se candidatam: Rachel, uma garota judia e arrogante e adotada por um casal de gays. Puck, o violento trouble-maker. Kurt, um garoto gay criado pelo pai machista. E Mercedes, que é dona de uma voz poderosa, mas se sente invisível por ser gorda e negra. Completam o grupo posteriormente: Finn, o quarterback e sua namorada, Quinn Fabray que perde seu status de musa do colégio ao se descobrir grávida.

Todos eles possuem algum senão que os separam de seus sonhos; e são sonhos simples, como entrar em uma faculdade, mudar de cidade, casar ou ter uma profissão legal: eles não possuem a sexualidade correta, a cor correta, a atitude correta, ou a grana suficiente para que esses sonhos se realizem — e é exatamente isso que o seriado mostra e questiona todo o tempo — ser quem você é poderá impedir você de realizar seus objetivos? Ser negra e gorda no mundo ideal não deveria a impedir de ser protagonista de um solo; ser gay num mundo ideal não deveria impedir de viver tranquilamente sem sofrer violência; ser mãe adolescente e doar o filho para adoção, num mundo ideal, não deveria impedir de merecer sair dessa cidade e se tornar uma adulta bacana; num mundo ideal ter síndrome de down ou estar numa cadeira de rodas não deveria impedir ninguém de viver sua sexualidade. Então por que no mundo onde vivemos, ser gay, gordo, cadeirante, negro ou grávida impedem, impossibilitam, barram, as diversas possibilidades do que eu poderia ser, viver e sentir?

É essa a pergunta que Glee tenta responder a cada episódio.

Mas felizmente, a resposta nunca é dada — essa missão jamais é bem sucedida, assim como as tentativas do professor Will Shuester de fazer com que seu coral ganhe prêmios e transforme os seus alunos em pessoas mais respeitadas dentro do universo estudantil — eles sempre serão párias para os outros. Ao invés de se masturbar com uma torta ou ter longas conversas sobre o significado dos sentimentos não ditos, o rito de passagem dos adolescentes de Glee é o de entender que ser pária para o mundo não significa ser pária de si mesmo. É assim que se cresce.