Eu te desafio a me amar

Hoje é meu dia de postar, mas não teremos texto meu por aqui. O texto que segue é daquela que, hoje, tornou-se uma grande amiga, mas que um dia foi apenas a que me deu uma chance de falar, de dizer e de contar uma história; a história sobre o surgimento do Caê. Deixo aqui meus sinceros agradecimentos para a Maíra e a Marina, por estarem dispostas a me ouvir, por toda a dedicação durante o trabalho, e por terem se transformado em boas amigas.

Texto de Maíra Valério

No dia 31 de outubro do ano passado, mandei um e-mail para o Marcelo Caetano – que já é um velho conhecido das Blogueiras Feministas – perguntando se ele poderia me ajudar em um trabalho de faculdade. Eu e minha amiga Marina Bártholo precisávamos fazer um vídeo de seis minutos, sobre qualquer tema. Ele topou rapidamente, o que me deixou muito feliz. Eu não esperava uma aceitação tão imediata, afinal, éramos apenas duas garotas que ele nem conhecia. E o que estávamos pedindo era algo muito precioso: um pedaço da história dele. Eu acompanhava o blog do Marcelo – ou Caê – há algum tempo, bem como suas postagens aqui e na lista de discussão das Blogueiras.

Porque amar quem está todo o tempo a desafiar o que a gente entende sobre o mundo é mesmo um desafio / Por Marina Bártholo

Porém, dentro desses seis minutos, existe apenas uma gotinha bem pequenininha do oceano que o Marcelo é. Que fique claro: o que temos no vídeo são vários recortes de suas emoções e de seus pensamentos naqueles momentos em que ele foi filmado. Não é um retrato do que ele é, muito menos a definição sobre como é um homem transexual. Nossas principais intenções foram escutar o Marcelo e, a partir da perspectiva dele, ampliar o debate (ou fazê-lo nascer em lugares em que sequer existia) sobre a transexualidade masculina de uma forma mais acessível – e sem sensacionalismos. Queríamos mostrar também que, ei, não é fácil ser um homem trans, mas também não é o fim do mundo – e muito menos da vida de quem não se identifica com o seu corpo de nascença.

Marcelo Caetano durante as gravações de "Eu te desafio a me amar" / Por Marina Bártholo

Gênero e sexualidade ainda são colocados no mesmo balaio, como se fossem a mesma coisa. E muita gente do meu convívio nem sabia que uma pessoa poderia vir ao mundo no corpo de uma “mulher” e não ser uma. O imaginário coletivo associa a palavra transexual às mulheres trans e travestis. E de forma pejorativa. Precisamos lutar para que a sociedade alcance um patamar que vá além de simplesmente respeitar o próximo (degrau importantíssimo, claro, mas que infelizmente ainda estamos longe de pisar), porque até essa posição é cômoda, distante. Além do respeito, é necessário envolvimento, mistura e diálogo para que possamos entender uns aos outros.

Tivemos um trabalho do caramba pra deixar o “Eu te desafio a me amar” pronto. Graças à orientação da nossa professora, Alzimar Ramalho, e aos poderes de edição e filmagem do Chico Aragão e do Paulo Castro, conseguimos fazer a coisa andar. Mas eu e a Marina éramos muito inexperientes e desorganizadas. Aprendemos muito, tecnicamente falando. Acho que aprendemos principalmente quais erros não cometer de novo. Já o que ganhamos no plano intelectual e emocional é impossível medir. E ainda saímos dessa no lucro: o Marcelo se tornou um ótimo amigo.

Mas o que importa é que, mesmo sendo um vídeo simples e universitário, deu certo. Grande parte do mérito –  ou todo? – é do Caê, que é um rapaz muito bem articulado, sincero e cativante. A repercussão na faculdade está sendo boa e eu e a Marina temos planos futuros envolvendo diálogos sobre a transexualidade masculina.

Laerte (será?) durante a exibição do documentário no festival "Curta o Gênero" / Por Maíra Valério

E, no início do mês, nosso trabalho esteve entre os 28 selecionados (dentro de um total de 97 inscrições) para serem exibidos na mostra audiovisual da primeira edição do “Curta o Gênero”, um evento que aconteceu em Fortaleza (CE).  A faculdade pagou uma passagem e, depois de muita conversa (mentira, de muito par ou ímpar), a Marina ganhou, mas eu que acabei indo. No mesmo dia em que o filme foi exibido (sábado, 10 de março), rolou uma mesa com o Laerte e o João Silvério Trevisan sobre Masculinidades, que foi bem interessante. Durante a mostra, o Laerte sentou bem na minha frente  – e ainda conversamos rapidamente depois. No auditório do Dragão do Mar, centro cultural em que aconteceu o “Curta o Gênero”, cabem 108 pessoas sentadas. Estava quase todo cheio.

E agora viemos “lançar” o vídeo na internet aqui, pelas Blogueiras Feministas, porque foi onde tudo começou. Desejamos que essa rede de ideias, conversas, contatos e experiências só cresça, cada vez mais. Que gênero, cor, sexo e suas intersecções continuem sendo investigados a fundo, por pessoas de todas as áreas, para que preconceitos sejam descortinados e desconstruídos, e a diversidade seja respeitada. E, mais do que buscar respostas e classificações, devemos também perguntar muito e ouvir mais ainda, com o coração aberto. Dessa forma, estaremos aptos a nos aprofundar nas particularidades desse vasto universo que é o ser humano.

Veja a versão integral da poesia aqui