A fofoca e o poder

Senhora Deusa das Feministas, eu pequei. Não porque eu queria pecar, foi meio sem querer, mas não é menos pecador@ aquele que peca com boas intenções. Como já se diz em terras tupiniquins: “de boas intenções, o inferno está cheio”.

Explico já o meu pecado. Cada lugar tem suas lendas. Onde eu morava não é diferente. Existe uma história de que um homem muito poderoso de Goiás teria um relacionamento afetivo-sexual com uma mulher muito famosa. Pois bem. Me sinto pecadora por, durante muito tempo acreditar nessa história e repassá-la muitas vezes. Eu que me julgo uma mulher bem liberal, que não julgo as pessoas por sua conduta sexual, ou pelo menos, tento não fazê-lo. Enfim, a moça é solteira, até onde se sabe, e quem tem compromisso é o tal homem. Mas um argumento que sempre me incomodou e contra o qual nunca levantei argumentos contra (e é aqui que reside minha culpa, minha máxima culpa) é o de que a moça famosa teria se envolvido com o homem por conta do poder dele.

Pois bem, a luz desceu em mim quando alguém me questionou um dia: que poder, minha gente? A mulher é rica, famosa, podemos até discordar do trabalho dela, mas ela não precisa de um homem para segurar a carreira dela. PIMBA! Era isso talvez o que eu sempre quis dizer, mas sei lá se por covardia ou preguiça de iniciar uma discussão deixei pra lá.

Foto de Rodrigo David no Flickr em CC, alguns direitos reservados.

Desde então me sinto um monstro. Comassim , eu concordei com esse argumento de que a mulher teria um envolvimento amoroso, que ninguém sabe mesmo se existiu, por conta do poder do cara? Ora, não é sempre isso que ouvimos por aí? (Eu já ouvi algumas dezenas de vezes).

Quando vemos um homem de sucesso seja empresário, cantor sertanejo ou político, não pensamos que ele só está onde está por que transou com uma mulher poderosa, pensamos? Mas por que é tão fácil fazer essa associação quando é o contrário?

Por que uma mulher quando está em posição de poder, foi colocada lá por um homem, geralmente em troca de favores sexuais? Por que tanta especulação em torno da capacidade feminina? Por que uma mulher tem que usar o corpo como barganha? Ou por que a mulher ainda é vista como um objeto que pode ser ‘pegado’ a qualquer momento? Basta surgir o desejo, o devaneio masculino, ou sei lá o quê, e pronto. O objeto de desejo foi conquistado. Sem delongas, sem questionamentos. Basta surgir o boato de que um é amante do outro e pronto.

Claro, ela é sim amante. Quem faz e reproduz essa afirmação não se atém um momento, um minuto sequer para avaliar o que teria de interesse praquela mulher na história. Não, não paramos. E isso acontece porque está no nosso inconsciente a figura da mulher objeto. Está lá estereotipada nas novelas, reproduzidas nas páginas dos jornais.

Não questionamos o tanto quanto deveríamos as fofocas de que a mulher seria amante até porque muitas são e isso seria comum? Ou seria porque ainda vivemos sob o julgo do poder masculino, onde parece que escolha ainda está nas mãos deles? E assim vamos reproduzindo, ratificando a ideia de que a mulher não tem autonomia, empoderamento para bancar sozinha a vida que escolheu. Está lá sempre dependendo de um homem.

Como feminista, luto contra isso, questiono os valores que estão na sociedade como se fossem naturais. Mas, às vezes, caio no preconceito sem me dar conta como aconteceu no caso citado. É foda reconhecer isso, mas é importante para saber que mudar as mentes é um trabalho árduo.