A classe trabalhadora tem raça e gênero

1º de maio, dia do trabalhador/as e escrevo este post logo após assistir o filme Histórias Cruzadas (The Help, 2011), para o que eu estava pensando em construir no post de hoje, assistir este filme fantástico ajudou a organizar melhor as ideias.

Como já disse, hoje é dia do trabalhador, dia de luta da chamada classe trabalhadora e passar este dia sem localizar onde as mulheres estão e qual papel desenvolvem na sociedade dividida por classes seria ignorar o fato de hoje – e talvez desde a instauração da propriedade privada – somos parte fundamental para a engrenagem do mundo do trabalho se mover.

Viva a mulher que trabalha, porque ela tem resistido bravamente às campanhas contra os seus próprios interesses e não se intimida quando tentam convencê-la de que conjugar a vida privada com a vida profissional é querer demais. Porque não se acovarda quando a mídia tenta fazê-la vestir roupas desconfortáveis em nome da uma feminilidade pré-fabricada. Ela compra roupas confortáveis e define a feminilidade de acordo com as próprias necessidades. (ARKTOS, Arttemia. Viva a mulher)

Histórias Cruzadas conta uma história de segregação e opressão na cidade de Jacksson, mostra claramente como as categorias gênero, raça e classe somadas entre si agregam na exploração do seres humanos, ajudando a construir um estado capitalista, racista e patriarcal. Onde o trabalho das mulheres é tido como tarefa menor e seus direitos são ignorados por patrões e patroas. Desnuda de forma quente e viva o quanto nosso lugar na sociedade ressoa uma construção social secular de segregação e invisibilidade da nossa situação.

Se formos observar de forma cuidadosa percebemos que o trabalho exercido por estas mulheres é essencial, é ele quem permite outras mulheres sairem de casa e ocuparem postos no mercado de trabalho, atividade esta não contabilizada para aposentadoria daquelas que não tem como pagar outra pessoa para ficar em seu lugar garantido que este trabalho reprodutor seja realizado, atividade precarizada na qual pouquíssimas pessoas tem asseguradas seus direitos e ainda é preciso pressão sobre a grande maioria dos patrões para que estes sejam obrigados a cumprir a legislação, mesmo muitas vezes eles se colocando no lugar da vítima neste debate.

As empregadas domésticas, serventes e afins são trabalhadores invisíveis, ninguém lembra de suas histórias, feições e dramas, mas lá elas estão, todos os dias, limpando o chão, cuidando de nossos filhos e nos propiciando o mínimo de conforto. Não há como não comparar a realidade das milhões de empregadas domésticas do Brasil com o drama da maioria dos profissionais terceirizados nas instituições públicas e privadas, pois em grande parte as primeiras a serem terceirizadas são as serventes, aquelas que cuidam da limpeza, trabalham essencialmente feminino. (FRANCA, Luka. Seja empregada doméstica ou tercerizada a sina é a mesma: Invisibilidade)

Operários, obra de Tarsila do Amaral de 1933, feita após a artista ter visitado a URSS.

É no trabalho doméstico ou de serviços em que a condição de ser humano de menor importância da mulher fica evidenciado e é na política que isso mais se reverbera, pois a lógica maior é nos compreenderem como anexo a classe trabalhadora e não parte intrínseca da mesma. Ou seja, os interesses da classe não são os interesses das mulheres pois é como se não fossemos parte do exército de espoliados nesta sociedade.

Um equívoco tremendo, pois se formos colocar uma lupa e analisar de forma qualitativa quais setores da classe hoje sofrem mais com retiradas de direitos veremos que são mulheres negras, jovens e afins. São estes setores que servem de tubo de ensaio para governos, patrões e afins verem se determinada retirada de direitos é funcional ou não.

Só lembrar da política de terceirização que hoje assola boa parte dos serviços público e privados. Os primeiros setores a serem terceirizados foram a limpeza e segurança dos locais de trabalho, na limpeza a maioria são trabalhadoras negras, na segurança trabalhadores negros. Coincidência? Creio que não. O problema é que estas retiradas de direitos normalmente só são percebidas quando a água bate na bunda dos homens brancos, quando pesa para eles, até pesar não é pauta geral da luta da classe trabalhadora, é uma luta setorizada das mulheres.

Não é à toa que as mulheres aparecem como atrizes importantes em diversos momentos da política e das engrenagens das mudanças sociais.

Recuperar o histórico do Dia Internacional das Mulheres como parte da luta social, como inegável ponto de intersecção entre a luta das trabalhadoras, do movimento socialista e da luta feminista, evidencia o caráter político dessa comemoração e, ao mesmo tempo, retoma historicamente o esforço das militantes socialistas em construir uma dinâmica de organização e luta específica das mulheres. A história evidencia a resistência – e mesmo o rechaço – de setores do movimento socialista à perspectiva de organização das mulheres, alicerçada na recorrente incompreensão do direito das mulheres à igualdade no mundo público (ao trabalho e à participação política), contrastando com a realidade da sua presença no trabalho agrícola e no proletariado industrial, já fortemente marcados pela divisão sexual do trabalho. Em diversos setores a mão de obra feminina era mesmo majoritária. Difícil seria pensar na organização da luta revolucionária sem a participação das trabalhadoras. (FARIA, Nalu. As origens e a comemoração do Dia Internacional das Mulheres)

É no mundo do trabalho que vemos mais desnudada a diferença construída por um estado capitalista e patriarcal. Pois é neste espaço em que a diferenciação entre o trabalho reprodutivo e o trabalho produtivo se denudam e podemos perceber o quanto um é menos valorizado que o outro, e o quanto as mulheres acabam por assumir duplas ou triplas jornadas de trabalho. A secundarização do combate ao machismo só ajuda a reafirmar um estado baseado na opressão e desigualdade entre homens e mulheres, e assim pode ser dito também sobre o combate ao racismo e à homofobia.

Neste 1º de maio é preciso relembrar da nossa história, do nosso lado de classe, mas também olhar para nossos erros e compreender que para haver avanços significativos da classe trabalhadora nas nossas lutas é preciso que nossas pautas dialoguem com a real composição da classe trabalhadora, ou seja, dialogue com as mulheres e com os negros do nosso país.