Reclamar da mídia é algo que nós, feministas, fazemos com frequência. E com razão, na humilde opinião desta que vos fala: em geral, os meios de comunicação não dão voz plena às mulheres e, pior ainda, têm o péssimo hábito de serem sexistas, homofóbicos e retrógrados, tornando-se espaços de produção e reprodução de uma desigualdade socialmente construída.
Na semana passada, apenas para citar um exemplo, diversas organizações e entidades lançaram uma carta aos jornais paraibanos pedindo para que não fossem mais publicadas fotos de mulheres estupradas, mutiladas ou assassinadas. “Não podemos aceitar a maneira que as mulheres estão sendo expostas pela mídia, o que acreditamos reforçar ainda mais esta violência a que somos submetidas no dia a dia”, disseram no documento.
O apelo era claro, evidente. Esperavam uma mídia com o mínimo de ética e bom senso. Mas será possível, com a imprensa atual, pensarmos um jornalismo não sexista?
Outro caso para a reflexão: em uma pesquisa recente, analisei a cobertura dos meios de comunicação sobre o Dia Internacional da Mulher, 8 de Março, e constatei que as notícias referentes às mulheres que protagonizaram ações políticas, ou seja, que estavam nas ruas protestando, quase sempre foram colocadas em segundo plano, sem qualquer destaque. Além disso, a maioria das publicações (59%) utilizava uma linguagem sexista como “os manifestantes” e “os organizadores” para se referirem à ações realizadas exclusivamente por mulheres. E 61% dos textos não tinham fontes, ou seja, em muitas coberturas de manifestações do 8 de Março nenhuma mulher foi entrevistada!

Diante de um quadro tão tenebroso, me (nos) pergunto: como termos uma mídia diferente desta?
Há algum tempo encontrei um livro que resolveu parcialmente minhas angústias. Escrito por duas jornalistas argentinas, Sandra Chaher e Sonia Santoro, Las palabras tienem sexo – introducción a un periodismo con perspectiva de género (Buenos Aires: Artemisa Comunicación Ediciones, 2007), a obra analisa a realidade da Argentina e conclui que, em primeiro lugar, há um problema de formação – algo que, acredito, também se aplique ao Brasil. Seja nos cursos de Comunicação Social, seja no dia-a-dia da profissão, com ou sem diploma, não existem muitos espaços para reflexão sobre o que seria um jornalismo com perspectiva de gênero. E se não há reflexão que permita um aprofundamento na questão, dificilmente haverá uma prática diferenciada.
O mais urgente seria, portanto, fomentar o debate sobre o que poderia mudar e o porquê. Chaher e Santoro elencam quatro categorias prioritárias a serem transformadas, a partir das discussões:
- As fontes e os pontos de vista: consideram que “para fazer jornalismo de gênero devemos recorrer às nossas próprias fontes confiáveis; já que as oficiais reproduzem o imaginário sexista reinante, é preciso buscar o outro lado. Devemos escolher as fontes, consultar aquelas que saibamos que trabalham com os temas a partir de uma perspectiva de gênero”.
- A linguagem: pela pluralidade, sempre. “Nada é repetição”, dizem.
- A utilização de imagens: após comprovar que as fotos de mulheres são minoria nas publicações impressas e que, em geral, reproduzem os papéis tradicionais (mãe, dona-de-casa, esposa etc.; ou, no caso de celebridades, símbolos sexuais), elas recomendam ter um equilíbrio numérico entre fotografias de protagonistas masculinos e femininos; evitar os papéis tradicionais; equiparar a cobertura esportiva, entre outras.
- O posicionamento das notícias nos jornais: seria necessário que uma preocupação com a equiparação de gêneros estivesse presente nas instâncias de direção dos periódicos.
A proposta me encanta. Acho que poderia ser um ótimo começo de debate nas redações.
Mas, contudo, porém, acredito que haja um enrosco: se a mídia propaga a ideologia hegemônica, a adoção de um jornalismo com perspectiva de gênero dependeria, além da formação profissional, da anuência da direção do jornal, certo? Afinal, a decisão de colocar mais fotos de bundas ou de mulheres assassinadas parte, em última instância, dxs editorxs, diretores e/ou donos das publicações. E se em pleno século XXI continuamos com jornais como os da Paraíba ou com articulistas como Luiz Felipe Pondé, me parece que o caminho será longo e árduo.
Será que conseguiremos trilhá-lo?
Por enquanto, sigo valorizando cada vez mais as blogueiras feministas e suas reflexões, estas sim com perspectiva de gênero. E esperando que continuemos vigilantes, reclamando dos meios de comunicação.