Texto de Catarina Érika (@CatErika)*
Diferente de quase todos os domingos que já vivi, neste passei por algumas situações que ficarão para sempre marcadas na minha memória e aumentaram ainda mais minha indignação com o poder público sobre a não assistência diante das questões de gênero, especificamente no combate à violência contra a mulher que hoje cresce disparadamente no Brasil.
[+] Denúncias crescem e mulheres vítimas de violência não têm pleno atendimento.
O episódio que me trouxe indignação começou na minha casa, ao deparar-me com uma situação familiar muito difícil. Meu irmão do meio, como sempre, nos seus descontroles, quis chamar atenção com berros em casa e mais uma vez agrediu moralmente minha mãe, chamando atenção de toda a vizinhança. Cansada de tudo isso, segui até a Delegacia da Mulher (localizada na Rua Manuelito Moreira, 12 – Centro/ Fortaleza – CE) com ela para pôr um fim em tudo isso.
Chegando ao local, por volta das 11h30, nos deparamos com uma situação nada plausível para uma delegacia. Ao invés de trazer proteção, estar bem apresentável e acolher devidamente as mulheres vítimas de agressão, o local parecia abandonado, diante de tanta sujeira e desorganização. Um descaso. Depois de mais de 20 minutos de espera, fomos abordadas por duas atendentes que se distraiam com conversas e risos.

Num pequeno espaço de tempo entre as conversas das duas, uma delas olha para minha mãe e pergunta como poderia nos ajudar e pede que ela conte toda a história. A história até que foi contada, só não sei se ela estava atenta ao relato. As duas continuavam conversando, atrapalhando o que minha mãe falava e fingindo estar atenta, a atendente apenas olhava para nós. Em alguns momentos, a outra atendente – se achando no direito de interromper o que falávamos e querendo dar explicações as atitudes do meu irmão sem conhecê-lo – perguntou à minha mãe se meu irmão era doente mental. Não bastava o que estávamos passando, tendo que fazer algo tão difícil, denunciar meu irmão, esse descaso nessa delegacia só me trazia mais raiva e vontade de gritar com aquelas “criaturas”.
Já concluíamos nosso relato e num súbito, apareceram três policiais da Ronda do Quarteirão anunciando às atendentes que traziam consigo no “camburão” uma mulher e o marido, agressor. Para minha indignação, uma delas perguntou aos policiais: “será que ela não veio só passear de ronda não, hein meu filho? Você explicou para ela que depois que ela prestar queixa contra o marido ele vai preso?”. O policial respondeu que sim e depois de tantos questionamentos e lamentações dos policiais que naquele momento diziam que gostariam de estar comendo uma picanha no almoço, foram buscar a moça que estava no carro.
Indignada com a situação, questionei a mulher que nos atendia sobre o atendimento horrível. Ao invés de tratarem bem as mulheres que já carregam consigo a dor das agressões morais e físicas, as tratavam assim, sem nem um pingo de sentimento. Como desculpa, uma delas ainda afirmou que sempre as mulheres fazem isso: “É sempre assim. Elas vêm, denunciam o marido e depois vem com a maior cara lisa para retirar a queixa. Isso é normal minha filha, fique assim não”. Não é desculpa. Se é tão normal que elas façam isso, fico imaginando o atendimento, se é realmente assim que as tratam toda vez que vem fazer uma denúncia contra o agressor.
No final de tudo, depois que já encerrávamos o relato, a atendente ainda disse que só faria o boletim de ocorrência e no dia seguinte deveríamos voltar lá para enfim solicitar a medida preventiva. E acreditem, a desculpa é que no domingo não há expediente na delegacia. Francamente, não sei o que é pior, ver a qualidade do atendimento do local ou ter que engolir a desculpa de que não fariam todo o procedimento porque a delegacia, que era para estar funcionamento 24h, não estava no seu horário de expediente, como elas mesmas diziam.
Diante de tudo isso, acabei esquecendo por alguns instantes minha raiva contra meu irmão e fortificando mais ainda minha revolta com a não assistência devida que todas essas mulheres que tomam coragem e vão denunciar seus agressores. De que adianta fazer tanta campanha e encorajar as mulheres a denunciar seus parceiros se uma delegacia como esta não tem gente competente suficiente para dar a assistência devida que elas merecem? Esse foi um caso que presenciei, imagina os outros que sempre acontecem.
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*Catarina Érika é jornalista e membro da ONG Fábrica de Imagens.