Sexo na adolescência: maturidade e autonomia

Texto de Liliane Gusmão.

Dia desses, me vi discutindo sobre sexualidade. Mais especificamente, sobre a vida sexual de garotas adolescentes no Quebec, Canadá. Pessoas me diziam, com indignação, que garotas de 12 anos tem vida sexual ativa e discorrem alegremente sobre seus hábitos sexuais no metrô. Aparentemente a maioria das garotas aqui, em Quebec, inicia sua vida sexual no começo da adolescência. Não todas, creio eu, mas certamente aquelas que andam de metrô na mesma hora que meus interlocutores.

Quando se discute sexualidade de mulheres invariavelmente o slut shaming vem a reboque, não foi diferente desta vez. Não precisou muito, foi só eu colocar que não via problema nas garotas começarem suas vidas sexuais nesta idade, que as meninas começaram a ser chamadas de putas rodadas. Pois, além de tudo, tinham muitos parceiros…

Não vejo mesmo problema em meninas começarem suas vidas sexuais cedo ou tarde, nesta ou naquela idade. Nem sei mesmo o que é cedo ou tarde, porque isso só a própria pessoa é quem pode determinar. Eu, com 13 anos, não tinha a menor maturidade para transar. Aliás, isso ainda nem me passava pela cabeça, mas, essa sou eu. Nessa mesma época, algumas das meninas da minha classe na escola tinham muito mais maturidade que eu. Não posso dizer com certeza, mas, desconfio que algumas delas já transavam. Estou falando de quase 20 anos atrás e, que surpresa… elas tinham fama de putas.

Me pergunto: como julgar se uma pessoa é madura ou não para ter direito a opinar? Para ter direito de decidir se quer ou não transar com o namorado, ficante, rolo ou qualquer coisa do tipo? Para mim, melhor do que me preocupar em como, quando e com quem nossxs filhxs vão se relacionar, é dar-lhes as ferramentas para poderem conscientemente fazer suas escolhas, quando a oportunidade lhes for apresentada. Quando adolescentes começam a se interessar por sexo, têm que estar de posse de toda informação que vão precisar para poder decidir quando e com quem vão ter sua primeira experiência.

Cena do filme "Antes que o mundo acabe" (2010). Foto: Divulgação/Imagem Filmes.
Cena do filme “Antes que o mundo acabe” (2010). Foto: Divulgação/Imagem Filmes.

Acho importantíssimo é que xs adolescentes estejam bem informadxs antes de começarem suas vidas sexuais. Espero que tenham conhecimento sobre os prazeres, as consequências e riscos que relações sexuais envolvem. Afinal, devem estar dispostxs e preparadxs a entenderem que precisam minimizar riscos para poderem curtir.

Tenho pensado seriamente em como vou falar sobre slut shaming com meus filhxs, para que aprendam que é errado julgar as pessoas pelas escolhas sexuais que fazem. É preciso ter responsabilidade sobre seu corpo e seus sentimentos, assim como pelos sentimentos e corpos das outras pessoas. Assim, nada melhor do que informação e diálogo franco, sem falsos moralismos.

Que as relações sexuais sejam sempre consensuais é com isso que me preocupo, e com pessoas de uma faixa etária próxima, preferencialmente, principalmente quando falamos de jovens no começo da adolescência. Uma diferença muito grande de idade entre parceirxs é algo preocupante, mas sei que nem mesmo isso pode ser levado a ferro e fogo, pois cada caso é um caso. Que sejam experiências boas e prazerosas é isso que espero.

Nessa discussão, que citei no início do texto, os parceiros das garotas só foram mencionados para dizer-se que eram muitos. A eles não coube nenhum adjetivo pejorativo, nem julgamento moral. Eles, na verdadem nem mesmo existiram na conversa. A elas coube todo o ônus, além do rótulo de putas.

Como feminista defendo que as mulheres tem que decidir autonomamente sobre seus corpos. Como mãe feminista espero ensinar a meus filhxs que a decisão de fazer sexo e, de quando começar sua vida sexual, é única e exclusivamente delxs. Espero ser um apoio, um suporte, um porto seguro a quem elxs possam recorrer quando precisarem. Não quero ser a mãe que espera que seus filhxs não tenham vida sexual.

A discussão em que me envolvi não seguiu muito adiante, pois, estávamos defendendo idéias diametralmente opostas. A primeira coisa que pensei e que até tentei trazer para a discussão foi: quem são os parceiros dessas garotas? E, uma outra pergunta clássica, qual a denominação para eles? Esta discussão surgiu disso: da tentativa de um controle sobre as relações amorosas/sexuais dxs nossxs filhxs. Um controle que desconfio impossível e acho certamente descabido.

Após essa discussão me questionei bastante sobre o assunto. Tanto que surgiu este texto. Também resolvi me informar sobre a legislação e sobre sexo consensual na legislação canadense. Pesquisei na internet e fiquei admirada. Achei o posicionamento jurídico bastante razoável sobre idade de consentimento para atividade sexual (em inglês).

Então, para mim, a pergunta importante a ser feita é: quem são xs parceirxs dessxs adolescentes? Umx namoradinhx da escola? Alguém com mais de 18 anos? Uma pessoa de quem ela dependa financeiramente ou psicologicamente? Alguém que tenha algum tipo de autoridade sobre ela?

No Canadá, a idade para considerar o sexo como consensual é de 16 anos. Mas ,existem regras especias para adolescentes mais novos que tenham vida sexual ativa. Para que a relação sexual, com uma pessoa que tenha 12 ou 13 anos, não seja considerada uma ofensa ou crime é necessário que o parceirx destx adolescente não tenha uma diferença de idade superior a dois anos e, que não hajam relações de autoridade ou dependência entre elxs.

Para pessoas com 14 ou 15 anos, a diferença de idade entre xs parceirxs tem que ser inferior a 5 anos e que não hajam relações de autoridade ou dependência. Para relações sexuais onde haja exploração dx jovem (por exemplo, quando envolvem prostituição ou pornografia) a idade de consenso passa a ser 18 anos, que também é a idade de consenso para relações sexuais em que o jovem está numa situação de dependência ou que seu parceirx tenha alguma autoridade sobre elx (professor, treinador, etc.).

Porém, nada disso fez parte da discussão que participei, porque meus interlocutores restringiram os comentários a “pouca vergonha” das moças que transavam como se não houvesse amanhã com inúmeros parceiros.

Acho muito triste isso. Nos séculos XVIII e XIX, rapazes eram levados a puteiros para perderem a virgindade (não aprovo esse tipo de conduta, acho isso uma violência). o caso é que esses garotos não ficavam com fama de putas, era um motivo de orgulho iniciarem sua vida sexual. Nesta mesma época, e até no começo do século XX, no Brasil, meninas eram dadas em casamento por seus pais aos 13, 14 anos. Para homens que, por vezes, tinham mais que o dobro de sua idade.

Essas meninas começarem a vida sexual tão cedo nunca foi um problema (afinal elas estavam casadas), mas no século XXI, meninas que tem suas vidas sexuais iniciadas aos 12 ou 13 anos e o fazem por livre e espontânea vontade são taxadas de putas. E os meninos (assumindo que elas sejam heterossexuais) são taxados de… Nada. Talvez de otários já que transaram com essa menina que já é tão ‘rodada’.

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*Liliane Gusmão escreve também no blog: Talvez, peut-être, maybe.

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