Na Marcha das Vadias de Curitiba, em 2012, vi uma pessoa com uma roupa carnavalesca no meio da multidão. Cheguei mais perto e vi uma grande placa escrito: “God Save The Queer”, me apaixonei pela Tamíris Spinelli. Ao pensar no dia das mulheres, pensei em um texto que fosse quase um grito por tantos corpos abjetos e esse texto teria que ser da Tamíris.
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Texto de Tamíris Spinelli*
Eu queria fazer uma homenagem singela à todas as mulheres, mas não essa romantizada, não quero saber de maternidade ou intuição feminina ou o mistério da força feminina interior. Não quero fazer análises perspicases sobre os relacionamentos contemporâneos, o moderníssimo, a crise de identidade, nem um traçado histórico das conquistas das mulheres, tão importantes. Minha ode vai ao que é real, à resistência às imagens esmagadoras que tentam nos impor.
Meu amor vai para as mulheres todas, mas em especial às prostitutas, às mulheres com pinto, às mulheres que já se descolaram da ideia de mulher, às gordas, às magérrimas, às carecas, às velhas, às que carregam lata na cabeça, às bipolares, às lésbicas, às que tomam testosterona, às barbadas, às drags, às donas de casa que amam demais e apanham, às que gozam sozinhas no quarto, às que se sujam, se descabelam. Todo meu amor às estrias, ao sangue menstrual, aos seios tortos, caídos, duros de leite, ao clitóris – tão poderoso, às formas infinitas que o corpo pode ter. E também aos homens sem pinto, aos homens que vestem saia de vez em quando e curtem o ventinho por baixo das pernas. Aos homens que não tem medo de ser mulheres às vezes, que não se dignificam pelo esteriótipo do macho, que não se apoiam no poder sobre o outro.

Arquivo pessoal, foto de Nathália Tereza.
Em síntese, à todxs aquelxs que já não precisam se agarrar aos significados que a palavra mulher tem ou já teve para sê-lx. Viva todos os gêneros que possam existir, viva o não-gênero, o não binarismo, à androginia, viva a expressão livre e o respeito. VIVA A NÃO NORMATIZAÇÃO DA MULHER.
Todo o meu amor para xs amigxs que estimo tanto, e àquelxs com xs quais ainda vou cruzar, praticando o eterno exercício de não distinguir meu sentimento a partir daquilo que há entre suas pernas. Todo o meu amor para o amor que não conhece barreiras.
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*Tamíris Spinelli é queer, artista multimídia e militante do próprio corpo. Atualmente tem pesquisas voltadas para vídeo, fotografia analógica e performance, com foco em questões do corpo e suas possíveis poéticas e políticas em processos colaborativos. Dirigiu os curta-metragens Elegia (2010), Visita (2010), Se você deixar o coração bater sem medo (2012), No Penhasco (em finalização) e Corpos Trans*Lúcidos (em produção). Como intérprete e criadora desenvolveu a performance Inventário (2012), ao lado de Ana Beatriz Figueiredo.