Retrospectiva da jornada de lutas pelos Direitos Humanos no Congresso Nacional

Texto de Jul Pagul com contribuição da Srta. Bia.

A notícia veio no final de fevereiro: a bancada evangélica ia ficar com a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados e o pastor Marco Feliciano (PSC-SP) seria indicado para assumir a presidência.

A eleição de Marco Feliciano tem sido contestada por causa das declarações racistas e homofóbicas dadas em relação a negros e homossexuais. Ele é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), que apura se ele cometeu discriminação por orientação sexual, e de ação penal, por estelionato. Fora isso, os projetos do deputado violam o Estado laico, pois procuram privilegiar o seu grupo religioso em detrimento de outros, além de perseguir outras religiões e procurar impor os preceitos de sua religião a todas as pessoas.

[+] Estado laico para garantir Direito Humanos.

Um acordo de lideranças fechado estabeleceu que a presidência da comissão ficará com o PSC. O PT, que tradicionalmente comanda esse colegiado, escolheu outras comissões. E, vale lembrar que o PSC faz parte da base de apoio do governo Dilma Rousseff.

A divisão das 21 comissões permanentes da Câmara é feita proporcionalmente ao tamanho das bancadas dos partidos. No rateio, PT e PMDB comandarão três comissões, cada um, em 2013. PSDB, PSD, PP e PR ficam com dois colegiados cada, enquanto PDT, PSC, PTB, PV/PPS (bloco), DEM, PSB e PCdoB presidirão uma comissão. A ordem de escolha também segue o critério das maiores bancadas. Partidos pequenos como o PSOL e outros não têm direito a presidir comissões permanentes.

[+] O que significa o PSC na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara.

A omissão dos Direitos Humanos explícita neste mês de março, trouxe a convergência, coerência e atuação conjunta dos Movimentos Sociais que lutam pela efetiva democracia neste país. Para registrar, difundir e fomentar a participação popular nas políticas públicas do Brasil fizemos uma retrospectiva da mobilização que ocorreu em Brasília. Sabemos que a palavra escrita é bastante limitada para descrever estes dias de sonhos, luta, liberdade e afeto sem precedentes neste novo milênio da capital federal.

Fica o registro do que está acontecendo e o convite para participar da próxima ação:

25.03.2013 – SEGUNDA – Vigília em frente ao Congresso Nacional, a partir de 19h. Acompanhe detalhes no evento do facebook.

Manifestação contra o Dep. Marcos Feliciano (PSC-SP) em Brasília/DF. Foto de Sergio Lima/Folhapress.
Manifestação contra o Dep. Marcos Feliciano (PSC-SP) em Brasília/DF. Foto de Sergio Lima/Folhapress.

Retrospectiva da jornada de lutas pelos Direitos Humanos no Congresso

06.03.2013 – QUARTA – Primeiro dia de luta conjunta. Centenas de manifestantes dos movimentos sociais ligados aos direitos humanos participam da sessão que elegeria a presidência e novos parlamentares da Comissão de Direitos Humanos da Câmara . A sessão é suspensa. Nos corredores tocamos berimbaus. Dentro e fora do plenário ressoa o grito: “o povo unido jamais será vencido”. A dep. Luiza Erundina (PSB-SP) entre outr=s parlamentares canta junto com o povo em luta. Durante a saída do dep. Marco Feliciano (PSC-SP) seguranças empurram e agridem manifestantes. À noite, o presidente da Câmara – dep. Henrique Eduardo Alvares (PMDB-RN) convoca uma nova sessão às 9 da manhã do dia seguinte. Vaza a informação de que ele teria destituído o então presidente da CDHM – dep. Domingos Dutra (PT-MA). A nova sessão é fechada ao público e à imprensa

07.03.2013 – QUINTA – Domingos Dutra (PT-MA) renuncia à presidência da CDHM. Dep. Erika Kokay (PT-DF) é impedida de se pronunciar. Dep. Jair Bolsonaro (PP-RJ) afirma que “acabou a festa gay”. E mesmo muito cansad=s manifestantes comparecem à sessão. Jair Bolsonaro se dirige aos manifestantes e afirma “volta pro zoológico, viadada, bando de viado”. Jair Bolsonaro é suplente na CDHM.

08.03.2013 – SEXTA – Abertura da Virada Feminista no DF. Manifestantes feministas, Negr=s, LGBTs, entre outros reivindicam o Estado laico na rodoviária do plano piloto. Muitas linguagens criativas são utilizadas durante o ato. Na ocasião, os fundamentalismos religiosos foram combatidos, o racismo e a lesbofobia também.

09.03.2013 – SÁBADO – Manifestantes fazem oficina de cartazes e uma passeata de protesto na Esplanada dos Ministérios.

12.03.2013 – TERÇA – Manifestantes são impedidos de entrar no Congresso. O dep. Jean Willys intervém a favor dos manifestantes. A entrada é permitida e ocorre um poderoso ato com centenas de cartazes contra a Omissão dos Direitos Humanos e a favor do Estado Laico. A manifestação se estende até as ruas da esplanada dos Ministérios. A bandeira do arco-iris, símbolo da luta pela garantia da liberdade e diversidade sexuais, foi hasteada no palácio do Itamaraty.

13.03.2013 – QUARTA – Primeira reunião da Comissão de Direitos Humanos. O grupo Anonymous derruba o site oficial de Marco Feliciano. Deputadas e deputados que tem atuação coerente com a pauta dos Direitos Humanos entram em confronto com Marco Feliciano e Jair Bolsonaro. Dep. Erika Kokay novamente é impedida de falar. Mais uma vez manifestantes tomam o corredor e o plenário. Jair Bolsonaro insulta manifestantes com cartaz “queima rosca todo dia”.

16.02.2013 – SÁBADO – Ato contra atual situação na Comissão de Direitos Humanos. Marcha da rodoviária do Plano Piloto até o Congresso.

17.03.2013 – DOMINGO – Ato criativo-artístico toma o centro da capital. Poesia, música, intervenções a favor do estado laico e dos direitos humanos.

20.03.2013 – TERÇA – Lançamento da Frente Parlamentar de Direitos Humanos e Defesa da Dignidade Humana. Auditório Nereu Ramos ficou lotado. E foi muito emocionante a grande união de tantos movimentos e o reconhecimento das lutas. Emocionante também os discursos de parlamentares. Merecem destaque os deputd=s que não estavam sensíveis às mobilizações que compareceram a solenidade. Durante a tarde, ocorreu mais uma reunião da CDHM. Na ocasião, apenas alguns manifestantes conseguiram entrar. Muit=s ficaram de fora mesmo com espaço no plenário. Na pauta uma audiência sobre transtornos mentais com o representante do Ministério da Saúde, Aldo Zaiden. O presidente da comissão Pastor Marco Feliciano sai da reunião antes dos 10 minutos iniciais. Após ser coagido pelo dep. Bolsonaro, Aldo Zaiden se retira da sessão:

— Os direitos humanos vivem um retrocesso — disse Zaiden, que foi interrompido pela confusão.

Quando a palavra iria voltar para ele, foi ameaçado por Jair Bolsonaro (PP-RJ).

— O senhor se restrinja ao tema da audiência pública. Não faça discurso — disse Bolsonaro ao assessor, que se rebelou.

— Fui proibido de falar pelo deputado Bolsonaro. Não tenho o que fazer aqui — disse Zaiden, que levantou-se e foi embora, aplaudido pelos manifestantes contrários a Feliciano. A sessão foi encerrada.

Na sequência manifestantes são agredid=s e coagid=s pela Polícia Legislativa.

21.03.2013 –  QUINTA – Twitaço #forafeliciano e ato durante a comemoração de 10 anos da SEPPIR. Várias manifestações e petições online são realizadas em todo país contra a omissão dos Direitos Humanos.

Comissão de Direitos Humanos barra manifestantes durante votação. Foto de Zeca Ribeiro no Facebook.
Comissão de Direitos Humanos barra manifestantes durante votação. Foto de Zeca Ribeiro no Facebook.

Merece Registro

1. O site da CDHM: as informações da página da CDHM estão instáveis. O site chegou a ficar fora do ar, a pauta tem variado e não é postada com antecedência como ocorre nas demais comissões. Inclusive, a divulgação do presidente e seu currículo. É necessário controle social contínuo.

2. Mandado de segurança contra a eleição de Marco Feliciano para presidência da CDHM: um grupo, formado pelos deputad=s Jean Willys, Érica Kokay, Luiza Erundina, Nilmário Miranda, Domingos Dutra, Mariton Benedito de Holanda (Padre Ton), Janete Capiberibe e Janete Rocha Pietá, entraram com o pedido que foi distribuido ao Ministro Luiz Fux. A reivindicação é que a sessão que elegeu Marco Feliciano “não teve caráter público”.

Email do Min. Luiz Fux para que você expresse sua opinião sobre a decisão ideal neste caso: gabineteluizfux@stf.jus.br

3. PT entregou a CDMH para o PMDB que entregou ao PSC: Direitos Humanos não são negociáveis. A gestão da Comissão de Direitos Humanos e Minorias foi concedida ao PMDB pelo PT, que preferiu outra Comissão. Este cedeu para o PSC todas as suas vagas. Inclusive as do Pastor Feliciano e da vice-presidência. Precisamos contextualizar que o líder do PMDB na Câmara é Eduardo Cunha (PMDB-RJ), integrante  da bancada religiosa e autor do Projeto de Lei que prevê criminalização do que ele batizou de “heterofobia”.

4. Nenhuma declaração da Presidência da República: a pauta dos Direitos Humanos é a pauta da própria democracia em si. Não somos minoria, somos minorizad=s. Discordamos que a bancada religiosa possa legislar em desrespeito explícito a laicidade do Estado. E que isto seja considerado “democracia”. Apenas no dia 21 de março surgiu a primeira declaração pública da Ministra Maria do Rosário da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. No qual a Ministra afirma que a sociedade “indica”que não é justo o que está ocorrendo. Nem mesmo o criminoso vídeo recentemente lançado pelo Pastor faz com que Dilma se posicione.

Como a sra. avalia o que está ocorrendo na Comissão dos Direitos Humanos?

No governo, somos muito zelosos de não atuar de forma que desrespeite a autonomia entre os poderes, assegurada pela democracia e o que é básico. Todos sabem disso e não temos uma atitude de contraponto gratuito a decisões do parlamento. Mas nos direitos humanos, o Parlamento tem sido um parceiro da agenda brasileira. Em vários temas, como na Comissão da Verdade, na PEC do trabalho escravo (que expropria terras onde é flagrado esse tipo de mão de obra). Temos uma agenda de direitos humanos na Câmara muito forte. E que precisa avançar. E os rumos que a Comissão de Direitos Humanos tomou no atual período podem comprometer essa agenda.

O que pode ser feito?

Temos que trabalhar para que não existam problemas e aconteça um comprometimento negativo. Temos projetos de lei a ser votado e o Brasil precisa da comissão, dessa parceria. Sempre contamos com a comissão na defesa dos direitos humanos, foi construída com esse objetivo. A história dos direitos humanos no Brasil é uma história de pacificação da sociedade. E essa sociedade está indicando, de forma lúcida, que não é justo o que está ocorrendo. A comissão é o instrumento que ela tem para contar dentro da Câmara dos Deputados. É a defesa dos segmentos que sofrem preconceito, que são os mais vulneráveis. E a comissão não pode estar dissociada dessa pauta.

5. Muitas agressões e cerceamento e abuso de poder por parte da Polícia Legislativa: Durante esta jornada de lutas muitas pessoas foram agredidas pela Polícia Legislativa. Uma truculência desnecessária. A Câmara dos Deputados é a Casa do Povo. Portanto, temos o direito de ir e vir, de ouvir as audiências, de entrarmos no plenário da Comissão, de nos expressarmos. Cabe a Polícia Legislativa prezar por nossa segurança. Infelizmente, o que ocorre é o avesso. Somos insultad=s, empurrad=s, cercead=s e agredid=s em todas as sessões. Inclusive, mulheres e crianças, o que revela a covardia da atuação policial no legislativo.

6. Frente Parlamentar pelos Direitos Humanos e defesa da dignidade humana: O lançamento da Frente foi realmente um dos episódios mais enriquecedores da democracia no Parlamento. A presença dos mais diversos movimentos sociais intensificou o que pleiteamos nas ruas. Nossos corpos, afetos, fé e cidadania não são mercantilizáveis. E vamos avançar em nossas lutas, apesar do retrocesso no Congresso.

Para melhor articular sua atuação, a Frente foi dividida em campos temáticos. São eles: democratização da terra, que será coordenado pelo deputado Domingos Dutra (PT/MA); criança e adolescente, deputada Érika Kokay (PT/DF); gênero, deputada Janete Pietá (PT/SP); verdade e direito à informação, deputada Luiza Erundina (PSB/SP); violência e grupos de extermínio, deputado Luiz Couto (PT/PB); étnica racial, deputados Luiz Alberto (PT/BA) e Padre Ton (PT/RO); combate à tortura e sistema carcerário, deputado Nilmário Miranda (PT/MG); idosos e pessoas com deficiência, deputado Vitor Paulo (PRB/RJ); juventude, deputada Alice Portugal (PCdoB/BA); liberdade, crença e não crença, deputado Chico Alencar (PSOL/RJ); e LGBT e outras expressões de gênero, deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ).

7. 150 líderes evangélicos pedem a saída de Feliciano e a CNBB também: Uma carta assinada por mais de 150 lideranças evangélicas pede a substituição do deputado Pastor Marco Feliciano (PSC-SP) na presidência da CDHM por um parlamentar mais “familiarizado” com o tema. O documento, divulgado pela Rede Fale, cobra dos deputados evangélicos que integram a comissão que definam um novo nome para comandar o colegiado e evitem o discurso de perseguição religiosa, utilizado pelo deputado para se defender das críticas à sua eleição.

O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), que integra as igrejas Católica Apostólica Romana, Episcopal Anglicana do Brasil, Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Sirian Ortodoxa de Antioquia e Presbiteriana Unida, também divulgou nota de repúdio à eleição de Feliciano. A CBJP (Comissão Brasileira Justiça e Paz), organismo vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), manifestou por meio de uma nota oficial “sua solidariedade” às mobilizações sociais contrárias à permanência do deputado Marco Feliciano.

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