Texto de Bárbara Lopes e Bia Cardoso.
Hoje, 02 de abril, será promulgada em sessão solene no Congresso Nacional a PEC das Domésticas. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 478/2010 estende aos empregados domésticos todos os direitos dos demais trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) aponta que existem atualmente cerca de 6,6 milhões de trabalhadores domésticos no Brasil, sendo 92,6% deles mulheres. Segundo estudo da Organização Mundial do Trabalho (OIT) em 117 países, o Brasil é o maior mercado de mão de obra doméstica do planeta, com 7,2 milhões de profissionais formais e informais.

Empregadas domésticas, faxineiras, cozinheiras, babás, jardineiros e outros empregados que trabalham em domicílios passam a ter a jornada máxima de trabalho estabelecida em oito horas diárias e 44 horas semanais. No caso de o serviço se prolongar para além desse período, eles também passam a ter direito ao recebimento de horas extras de 50% a mais que o valor da hora normal e adicional noturno de 20%, no caso de o trabalho ocorrer após as 22h. Outro direitos que passam a valer é o recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e indenização em caso de demissão sem justa causa.
Alguns direitos esperam regulamentação porque a estratégia usada pelos senadores foi de não apresentar emendas, para que o projeto não retornasse a Câmara dos Deputados para nova votaçao. A promessa do Ministério do Trabalho é que a regulamentação de dispositivos da PEC das Domésticas ocorrerá em até 90 dias.
“A situação é de desespero”
A PEC das Domésticas foi aprovada na Câmara dos Deputados em dezembro de 2012. Ao contrário do Senado Federal, que teve decisão unânime com 66 votos, na Câmara foram 347 votos a favor, 2 contrários e 2 abstenções. Mesmo assim, observa-se uma votação ampla a favor e não há lembrança de pânico e nem de reações contrárias na época.
As reclamações, previsões catastróficas e choramingos das pessoas são comoventes. Com destaque para a advogada Regina Mansur, participante do programa de televisão ‘Mulheres Ricas’, que deu uma longa entrevista para o portal IG explicando que a legislação trabalhista brasileira é paternalista e outras pérolas como:
Eu não admito funcionário com filho pequeno. Infelizmente. Porque é uma carga que não vou poder ter. Da mesma forma em que no meu escritório não admito moças que vão ficar grávidas.
Outras pessoas afirmam catastroficamente que haverá milhares de demissões, como se as pessoas que não limpam suas privadas hoje fossem começar a limpar amanhã. Segundo o IBGE, 133 mil trabalhadores domésticos mudaram de profissão em 2012, buscando uma vida melhor. Há relatos de mães de família que já começam a deixar o emprego para cuidar da casa, com medo de não poder arcar com os novos benefícios, como se todas as mulheres tivessem a opção de parar de trabalhar.

Desde 2011 as pessoas já relatam o drama que é ficar sem empregada no reveillón. Ou a última opção que resta: contratar uma babá paraguaia ou uma empregada doméstica boliviana. Afinal, se racismo é crime no Brasil, se empregadas domésticas estão conquistando direitos e precisamos respeitar as mulheres negras, por que não explorar ilegalmente mulheres latinoamericanas de países mais pobres, não é mesmo? Como dizem alguns, bons tempos em que as empregadas domésticas eram gratas por comer e dormir.
As reações à aprovação do projeto são um fenômeno importante para entendermos como o trabalho doméstico assalariado é visto na sociedade. Muito da cobertura da imprensa sobre o tema, por exemplo, se dirige ao empregador ou empregadora. São matérias consultando advogados para saber como se adaptar à nova legislação, ouvindo patrões e patroas sobre sua intenção de manter ou demitir trabalhadoras. Pouco ou nada se viu falando diretamente à categoria beneficiada, dando orientações para garantir seus direitos.
As relações de trabalho dos/as empregados/os domésticos/as migrou de uma esfera de agressões físicas dos açoites senhorais para agressões psicológicas e emocionais. Interessante como mudou a forma de lidar com os/as empregados/as já que, legal e moralmente, não mais se admitia que fossem submetidos/as a situações gritantemente humilhantes: de repente, aquele/a empregado/a começou a ser considerado membro da família, muito embora continuasse servindo a mesa e comendo na área de serviço. Essa afetividade induziu situações de acomodação dessas relações à medida que não havia um questionamento sobre carga horária, atribuições, excesso de trabalho, baixa remuneração, etc. A PEC dos empregados domésticos e o processo secular de abolição da escravatura por Gabriela Ramos.
A invisibilidade do trabalho doméstico
Um dos argumentos que aparece tanto do lado de quem critica como de quem defende a PEC é a alegação que o espaço doméstico não é produtivo, não gera riquezas. Dentro do feminismo, isso é profundamente questionado. O modelo de produção se baseia nessa negação do trabalho doméstico como trabalho “de verdade”. O sistema se equilibra invisibilizando as atividades que sustentam o trabalho produtivo – cuidados com as roupas, alimentação, apoio emocional, etc. Essa dicotomia trabalho produtivo e reprodutivo está na raiz da desigualdade entre homens e mulheres e é replicado na desigualdade entre mulheres brancas e negras, de países mais ricos ou mais pobres. Para justificar e reforçar essa divisão sexual, é naturalizado o papel das mulheres como cuidadoras.
Uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo mostra como o trabalho doméstico não remunerado é mal compartilhado:
A jornada semanal média de trabalho doméstico das brasileiras é de 29 horas e 21 minutos, somando-se o tempo dedicado a “serviços de limpeza, cozinhar, lavar e passar roupa” (17h44’), cuidado com crianças (10h) e com pessoas idosas ou doentes (1h37’), contra 8 horas e 46 minutos declarados pelos homens (ou 6h15’, segundo o relato das mulheres) – ou seja, de três a quatro vezes menor que a das mulheres.
Num cenário de desigualdade social, isso se transferiu para as mulheres mais pobres. Mas mudanças no padrão de distribuição da renda vêm levando a um desequilíbrio no quadro. Não só no Brasil, em que, mesmo antes da aprovação da PEC, já se noticiava salários mais altos e mais dificuldade para contratação de trabalhadoras domésticas. Em diversos países isso repetiu, levando a um alarme sobre a “crise do cuidado”.
A situação se liga a ondas migratórias, em que mulheres de países mais pobres emigram para países mais ricos para suprir a mão-de-obra no trabalho doméstico. No Brasil, há como agravante o fato de nossos espaços e serviços públicos não responderem à necessidade de compartilhar o trabalho reprodutivo. Não apenas há um déficit de equipamentos como creches, escolas em período integral, serviços de saúde e apoio a idosos, restaurantes e lavanderias coletivas. Somos também deficitários em políticas de moradia, transporte e lazer.
São essas políticas públicas, além da participação ativa de todas as pessoas de um domicílio nas tarefas domésticas, que podem efetivamente quebrar a corrente que transfere a sobrecarga do trabalho doméstico e de cuidados sempre para o elo mais fraco. A equidade de direitos entre trabalho doméstico e outras formas de trabalho é um passo importante nessa direção, tanto pelos benefícios diretos às trabalhadoras e trabalhadores, mas também por colocar em pauta a estrutura do trabalho doméstico.
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