Todas somos leoas

“Era isso que eu aspirava: uma inundação que varresse este mundo. Este mundo que obrigava Hanifa a ter filhos, mas que não a deixava ser mãe; que a obrigava a ter marido, mas não permitia que conhecesse o amor” (A confissão da Leoa, Mia Couto, 2012).

Foto: Talita Oliveira, em CC (alguns direitos reservados).
Foto: Talita Oliveira, em CC (alguns direitos reservados).

A ficção de Mia Couto, “A confissão da leoa”, fala dos ataques violentos de leões (ou leoas) a pessoas, especialmente mulheres.  A história é inspirada em uma expedição de uma equipe de estudos ambientais ao norte de Moçambique, da qual Mia Couto participou, em 2008. Na ocasião, começaram a ocorrer na região ataques de leões a pessoas. Essa experiência inspirou o autor a escrever este romance singular.

A narradora da história é Mariamar, uma jovem moçambicana que tem as suas próprias explicações para a morte da irmã, Silência, que morreu em um dos ataques. A história dos leões remete aos seus medos e dores, à sua história. Não se trata, portanto, de uma história de caça, um relato. O livro é na verdade uma denúncia da condição desigual que as mulheres vivem em Moçambique e em outros lugares do mundo. Segundo o autor, “há muito que estão sendo devoradas por um sistema de patriarcado que as condena a uma situação marginal e de insuportável submissão”.

A história de Mariamar não é única. Remete a diversos contextos culturais em que as mulheres são submetidas a toda forma de violência e opressão, e que se veêm presas a uma condição em que não podem reivindicar direitos. Mariamar sofreu ao nascer, ao crescer e ao amar, por isso não tem medo de morrer. Ela quer viver um amor que ultrapasse essa fronteira da submissão. Mariamar quer ser livre, quer fazer o que quiser. Sonha em ser muito mais que a sua condição de mulher na aldeia lhe permite.

A crueldade do patriarcado é que não é uma questão de querer. Nesse caso não é uma escolha. Assim como as mães, as tias, as irmãs, as amigas a sua volta, Mariamar vai ter que encontrar suas maneiras de enfrentar a opressão, de sobreviver a todas as violência a que foi submetida.

Sua história, assim como de tantas outras mulheres, é uma história de resistência cotidiana sem grandes chances de vitória. É uma tentativa desesperada de sobreviver e de mudar as condições em que vivem.

“A confissão da leoa” é uma homenagem a todas as mulheres que são violentadas e que ainda assim resistem e lutam para que o mesmo não aconteça às outras.