Texto de J. Oliveira com colaboração de Luma Perrete e Bia Cardoso.
Dia 22 de julho, foi a terceira manifestação presencial que participei desde que esse movimento de sair às ruas tomou todo o Brasil. E o clima era esse:
Quatro viaturas e 15 policiais do Batalhão de Choque estão posicionados no Largo do Machado, em Laranjeiras (zona sul do Rio), acompanhando de longe a manifestação organizada por diversos grupos que protestam pelo Estado laico. De acordo com o comando do policiamento, a Tropa de Choque não está no local por causa do protesto, mas porque, em razão da presença do papa Francisco, estão distribuídos por pontos estratégicos da capital fluminense. Batalhão de Choque acompanha manifestação no Rio.
Na primeira manifestação que fui, no dia 17 de junho, ainda no inicio dos protestos, não cheguei nem perto de ver qualquer ação de violência. Seja da policia ou dos manifestantes. O número exato de pessoas não se sabe, mas milhares de pessoas tomaram a avenida Rio Branco naquele dia. Mal se viam policiais na rua. Estes, segundo relatos só apareceram depois de alguns ataques à Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) — onde apenas um pequeno grupo da grande massa de manifestantes estava. Pareciam querer demonstrar a bagunça que a falta de policia poderia provocar na cidade. Porém, mesmo com a manipulação da grande mídia, eles não tinham como enganar todo mundo que estava lá e que viu um evento pacifico, épico.

No dia 20 de junho também havia muitas pessoas na rua. Mas, dessa vez, os ataques com bombas (de gás e efeito moral) marcaram presença. Meu objetivo era o mesmo da primeira: chegar, protestar e ir embora cedo. Porém, em vez disso, passei mais de duas horas buscando qualquer estação de metrô aberta e sendo encurralada por policiais que andavam de moto, jogando bombas no caminho de pessoas que, como eu, estavam buscando ir para casa. Aliás, nesse dia, muitas bombas foram jogadas na Lapa (que, para quem não conhece, é um grande ponto de encontro da noite carioca), inclusive na porta de bares e restaurantes.
Estava dentro de um deles nesse momento. A sensação de aspirar gás lacrimogêneo é desesperadora. Ainda mais quando você está em um lugar fechado com a saída sendo bombardeada. Encurralar e provocar medo parecia ser a estratégia contra as manifestações. E, em parte, conseguiram.
Demorei a voltar para outra manifestação e a quantidade de pessoas na rua protestando diminuiu, mas muitos outros protestos ocorreram neste meio tempo. Alunos, professores, indígenas da Aldeia Maracanã, médicos, advogados da OAB, curiosos, mídias independentes, entre muitos outros.
Protestar virou rotina no Rio de Janeiro. Teve manifestação contra a Copa e a privatização do Maracanã. Teve a Rocinha e o Vidigal descendo pra reivindicar saneamento básico. Muitas manifestações pedindo a saída do Governador Sérgio Cabral. Algumas na frente da Rede Globo contra a manipulação da mídia e as concessões governamentais que recebem.
E no meio de tudo, no dia 24 de junho, teve uma incursão da polícia na favela da Maré. Com a justificativa de que pessoas se aproveitavam da manifestação que ocorria na Avenida Brasil para fazer arrastão, policiais ocuparam a favela. Um sargento do BOPE morreu e a vingança começou. Saldo final: 10 mortos, entre eles “três moradores inocentes”. Como bem lembra Eliane Brum:
O Brasil não mudará em profundidade enquanto a classe média sentir mais os feridos da Paulista do que os mortos da Maré.
Os brasileiros foram às ruas, algo de profundo mudou nas últimas semanas, tão profundo que levaremos muito tempo para compreender. Mas algo de ainda mais profundo não mudou. E, se esse algo ainda mais profundo não mudar, nenhuma outra mudança terá o peso de uma transformação, porque nenhuma terá sido capaz de superar o fosso de uma sociedade desigual. A desigualdade que se perpetua no concreto da vida cotidiana começa e persiste na cabeça de cada um. Também somos o chumbo das balas.

Teve até casamento chique com direito a arremesso de cinzeiro em um dos manifestantes. E muitas manifestações paralelas em frente o prédio do governador Sérgio Cabral. Uma manifestação, em particular, ganhou repercussão pela depredação de uma loja num dos bairros mais caros do Rio de Janeiro e gerou uma reunião de emergência na sede do governo. Um dos resultados dessa reunião foi o Decreto 44.302 de 19 de julho de 2013, criando a ‘Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas’, que parece ter como objetivo uma caça as bruxas para perseguir “incitadores de violência” entre os manifestantes envolvendo a imposição da quebra de sigilo às teles e aos provedores Internet, violando a privacidade dos manifestantes.
Antes dessa reunião de emergência, no dia 14 de julho, Amarildo Dias de Souza, 47 anos, pai de seis filhos, pedreiro, morador da Rocinha foi visto sendo conduzido por policiais militares para a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha. Desde então está desaparecido. Corre na internet e nas ruas a campanha: Onde Está Amarildo? Ao que parece, os mortos da Maré e moradores de favela desaparecidos não mobilizam o governo e a grande mídia, mas ataques a manequins e vitrines, sim.

Quando não fui as manifestações, ou quando cheguei em casa, pude acompanhá-las por meio da Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação), que transmitia ao vivo tudo ao vivo e sem cortes, com bombas ou não, assistia os manifestantes onde quer que eles estivessem. É claro que há uma forte repressão ao grupo.
Nesse meio tempo, as tentativas de repressão por parte do governo do Estado do Rio de Janeiro e da Polícia Militar tomou várias formas: as luzes das ruas em que acontecem as manifestações se apagam inexplicavelmente, as câmeras da CET deixam de funcionar, os comerciantes recebem ordem para fechar as lojas, ruas são fechadas, bombas de gás são jogadas dentro de casas, bares, restaurantes e em locais com a presença de crianças, pessoas são presas durante e após as manifestações pelos motivos mais confusos e variados. A Polícia começou a usar o canhão de água e “armaduras”, estações de metrô próximas as concentrações são fechadas e pessoas revistadas, aumenta o numero de policiais vestidos à paisana acompanhando a manifestação, entre outras coisas.
No dia 22 de julho, resolvi ir às ruas mais uma vez para protestar por um Estado laico e democrático. Caminhei junto com outras pessoas, pacificamente e, quando planejava ir embora, as bombas começaram. A tropa de choque estava presente por todas as ruas de saída, a quantidade de policiais parecia se igualar a de manifestantes. O único caminho que parecia mais livre tinha vários policiais que assistiam a cena, sem bloquear as ruas totalmente (ainda bem), mas marcando presença em grupo nas várias vias alternativas.
Os comércios fecharam cedo mais uma vez, a estação de metrô também. Felizmente consegui sair sem ter que aspirar muito gás. Em casa, acompanhei o reagrupamento das manifestações e a prisão de dois integrantes do Mídia Ninja, acusados de incitar as manifestações e levados para delegacia para averiguação. Para trazer novidades, a polícia decidiu usar armas de choque contra manifestantes caídos e que não apresentavam resistência.
Outros manifestantes foram presos por motivos variados. Calé Merege flagrou a prisão de um manifestante acusado de portar um coquetel molotov. Rafucko foi detido por acusação de formação de quadrilha e teve provas forjadas. Bruno Ferreira foi preso em Bangu I, acusado de de porte de explosivos. O estudante de medicina Fellipe Camisão relatou que atendeu um manifestante baleado na perna: “Ele estava com a namorada e foi baleado na perna. Não foi bala de borracha. Foi projétil de arma de fogo. Ele estava com hemorragia e estancamos o sangue”.

A situação imposta pela polícia e pelo governo de Estado do Rio de Janeiro é tensa, mas não podemos sair das ruas. Outros protestos estão marcados para essa semana. Inclusive, a Marcha das Vadias do Rio de Janeiro, ocorrerá no sábado, 27 de julho, a partir de 13h no Posto 5 em Copacabana.
Não podemos aceitar essa toda essa repressão, temos o direito de ir às ruas para nos manifestarmos. Não deixem de participar. Não deixem que o medo tome conta de vocês. Junt@s somos um.