Texto de Luci Araújo Beauvoir.
“Não confunda a reação do oprimido com a violência do opressor.” Malcom X
Quando mulheres são denunciadas ao Ministério Público por subverterem a lógica da normatização social é preciso parar para refletir. Esta frase de Malcom X ilustra perfeitamente o que estamos vivenciando neste momento, quando setores privilegiados da sociedade acusam uma minoria (que luta por seus direitos), de agir com violência, de desrespeitar e ofender a fé e a moral católica.
Minhas irmãs, minhas companheiras de luta, as vadias que estavam nas ruas cobrando do Estado, de modo legítimo, NOSSOS DIREITOS, estão sendo caluniadas pela ala conservadora e desumana de nossa sociedade.
Os conservadores, os moralistas de plantão e todas as pessoas que se apoderam de um discurso travestido de espiritual para DOMINAR, difamar e tripudiar todas as mulheres que compõe a Marcha das Vadias, as feministas, que estes mesmos chamam de “feminazis”, mostrando a ignorância que ainda perpetua em nosso país. Evidenciando o quanto este movimento social é legítimo e do quanto HÁ NECESSIDADE de discutir políticas que, de fato, INCLUAM as mulheres e seus direitos.
Desde sábado, depois da Marcha das Vadias que aconteceu no Rio de Janeiro, tenho ouvido os mais diferentes discursos sobre o ato. Discursos que beiram o fanatismo, a ignorância e também evidenciam a DESONESTIDADE dos que acusam impiedosamente nós, feministas, lésbicas, bissexuais, heterossexuais, anarquistas, marxistas, transexuais, religiosas ou não, ateias, brancas, negras, coloridas. Sim, porque o MOVIMENTO é plural, apartidário e heterogêneo. Não somos um grupo uniforme. Portanto, não cobrem do movimento aquilo que não compete ao movimento.
Nossas pautas, nossas lutas, nosso objetivo com a Marcha sempre foi muito claro. Porque somos mulheres que lutamos de modo claro, honesto, transparente. Se o fato do grupo ter se voltado contra instituições que, desde seu surgimento OPRIMEM e DESRESPEITAM as mulheres, é ofensivo para vocês, para nós, que sofremos a violência, a censura, a mão pesada destas instituições em nossos ombros, isto é nossa autodefesa. É nossa resposta indelicada a todos os que estupram, violentam, matam e castram o prazer, o gozo, o corpo feminino.
É nossa maneira de mostrar que não nos calaremos diante da interferência do Estado, da Igreja, de qualquer instituição que tente impor sua autoridade sobre nossos próprios corpos.
Diante da perseguição covarde, medíocre às mulheres que compõe a Marcha das Vadias no Rio de Janeiro, é necessário que nossa voz se erga, se levante indignada contra todas as formas de opressão que estão impondo a nós: mulheres, trans, viados, sapatões, bissexuais, heterossexuais que estávamos ali. Sim, aquele grupo que hoje está sendo perseguido pela mídia manipuladora, pelos setores mais podres e ordinários de nossa sociedade, queridas e queridos, estavam ali representando a mim e a você, no sentido de exigir do Estado um tratamento humano, justo e digno para todos.
Sim, queridas e queridos, os direitos que nós usufruímos hoje foram conquistados com muito sangue e suor. Basta pararmos para refletir um pouco e lembrarmos que SOMENTE A PARTIR do século XIX (1827), quando surge a primeira lei sobre a educação das mulheres, é que estas puderam frequentar as chamadas escolas elementares. E, mesmo assim, instituições de ensino como universidades eram proibidas.
Em 1879, é que as mulheres têm autorização do governo para estudar em instituições de ensino superior no Brasil, mesmo assim, as que decidiam seguir este caminho ERAM DURAMENTE CRITICADAS PELA SOCIEDADE. Um bom exemplo disto é Nísia Floresta. Ela foi figura ímpar por defender a educação das mulheres, em 1832, quando publica ‘Direito das mulheres e injustiças dos homens’.
Ainda no século XIX, MULHERES FORAM QUEIMADAS nos Estados Unidos porque reivindicavam a redução da jornada de trabalho e o direito à LICENÇA MATERNIDADE. Apenas no final do século XIX, em 1893, as mulheres americanas têm direito ao voto. Aqui no Brasil, só tivemos este direito reconhecido no início do século XX, em 1928, no Rio Grande do Norte. E, mesmo com este direito reconhecido, seus votos foram anulados. Nomes como Deolinda Daltro e Bertha Lutz devem ser lembradas por terem travado esta luta. Somente em 1932 é que as mulheres, aqui no Brasil, têm garantido seu DIREITO AO VOTO.
No Brasil, até 1965, havia um decreto que proibia às mulheres a PRÁTICA DOS ESPORTES QUE HOMENS JULGAVAM SER incompatíveis com as condições femininas: lutas de qualquer natureza, futebol de salão, futebol de praia, polo aquático, haterofilismo e beisebol.
NOS ANOS 40, através da CARTA DAS NACÕES UNIDAS, é que a IGUALDADE DE DIREITOS ENTRE HOMENS E MULHERES é reconhecida. É nesta época que Simone de Beauvoir lança o ‘Segundo Sexo’, que traz reflexões sobre a condição feminina.
A IGUALDADE DE REMUNERAÇÃO entre trabalho masculino e feminino para igual função é aprovada apenas nos anos 50.
ATÉ OS ANOS 60, aqui no Brasil, as mulheres casadas não tinham permissão para TRABALHAR, RECEBER HERANÇA, nem requerer a guarda dos filhos em caso de separação, isto só acontece a partir do ‘Estatuto da Mulher Casada’, criado em 1962. A partir daí a mulher não precisa mais de autorização do marido para trabalhar fora.
Isto só para ajudar a fazer um exercício de reflexão sobre seus discursos. Isto para citar algumas das CONQUISTAS DAS MULHERES, que só ocorreram através de lutas das FEMINISTAS. Destas militantes que se dispuseram a comprar esta briga, a cederem um pouco de seu tempo para que hoje pudéssemos ter acesso a tais direitos. Esses direitos foram conquistados. OS HOMENS, brancos, heterossexuais, ricos, não precisaram lutar para ter seus direitos reconhecidos. Eles sempre fizeram parte do grupo privilegiado.
PORTANTO, diante do exposto aqui, é preciso lembrar que estas Instituições que estão aí, impondo suas interpretações de mundo sobre nós, nossos corpos, nosso gozo, FORAM CRIADAS por sujeitos que sempre estiveram em situação privilegiada. Estamos falando aqui de discursos e ações políticas. É preciso não confundir, portanto, a reação das mulheres na Marcha das Vadias no Rio com a violência que foi imposta às mulheres ao longo de sua história.
NADA DEVE PARECER NATURAL. É preciso analisar, questionar. Não aceitar como verdade aquilo que a mídia nos mostra. Aquilo que estes grupos privilegiados contam.
AS MULHERES que fazem parte DA MARCHA DAS VADIAS no Rio ME REPRESENTAM.
Meu apoio INCONDICIONAL às companheiras do Rio.
Meu apoio TOTAL à todas as mulheres que reagem contra a violência imposta por nossa sociedade.
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Luci Araújo Beauvoir es erotista de nacimiento y hedonista en formación! Feminista, perguntóloga, caleidoscópica, Historiadora, biscate intelectual/atéia. Lispectoriana desde 1984. Luta por um mundo feminino e anarquista, pautado pela solidariedade, liberdade, justiça social e o respeito à diferença, esta é minha preferência política. Este comentário foi originalmente publicado em seu perfil no Facebook.
[+] A Marcha das Vadias é necessária! Nota da Justiça Global em apoio à Marcha das Vadias RJ.