Mylène Paquette – a mulher e o oceano

Texto de Liliane Gusmão.

Depois de 129 dias num barco a remo sozinha. Mylène Paquette, canadense de Montreal, terminou, no dia 12 de novembro, a travessia do Atlântico Norte. Perto do fim da manhã na França, ela entrou nas águas da costa da Ilha D’Oussante, na costa da Bretanha, sua linha de chegada designada.

A travessia de Mylène começou dia 06 de julho em Halifax, Canadá. Ela é agora a primeira mulher a fazer a travessia do Atlântico Norte à remo, sozinha. Abaixo, segue a tradução do texto “Une lettre à la mer…” publicado em seu blog um dia antes de alcançar a costa francesa.

Mylène Paquette. Foto de Metro Halifax/Jeff Harper.
Mylène Paquette. Foto de Metro Halifax/Jeff Harper.

Uma carta ao Mar… Texto de Mylène Paquette. 

Eu não suplicarei para você me deixar em paz, fui eu que vim até você. No momento em que escrevo estas linhas começamos uma outra briga, como de costume, é você que dará a última palavra. Eu abdiquei de querer ter razão. Meu ego está à espreita, no último canto seco do meu espírito.

Querido Oceano, fazem agora 4 meses que compartilhamos nossas vidas e já devo te deixar. Nem mesmo parti e já te faço promessas. Te dou minha palavra que iremos nos reencontrar. Eu gostei de cada momento que passei em sua companhia, mesmo os mais difíceis, pois eles foram capazes de me revelar. Você me permitiu que eu me descobrisse, que eu estendesse meus limites, que eu me surpreendesse e, mais importante: reconhecesse minha humildade. Por cada tesouro que achei aqui quero te agradecer.

Você certamente conhece minha voz, pois perto de você gritei mais de uma vez. Eu até mesmo pensei em gritar o último sopro de ar dos meus pulmões. Gritei para que você parasse, para que você me deixasse quieta, para você se acalmar. Apesar de tudo, diariamente ressoou o brilho matutino da minha vozinha no meu tradicional e famoso: “Olá Mundo”; desde a ponte da minha pequena embarcação.

Nossa rotina construímos horizontes maravilhosos, de céus sem obstáculos, de estrelas. De um nascer de lua cheias a seus famosos por-de sóis. Encontrei sua alma e seus habitantes, seres surpreendentes e maravilhosos. Todo dia percebia um deles, seja uma baleia-piloto, golfinhos, cardumes de peixes, dos menores aos maiores e mais assustadores do mundo. Uma velha tartaruga, pássaros, lulas ou graciosas medusas, sempre dediquei a eles interesse e deferência. Aqui, respeita-se e expira-se no ritmo de tua vontade. Milhares de seres contribuem para o mundo com sua carne ou seus truques, tentando manter um equilíbrio incerto para construir esse universo marinho ao qual hoje reverencio.

Por mais de uma vez eu tive medo de você. E agora que te amo esse tanto tenho ainda mais medo, não pela pessoa pequena que sou, mas por você. Tenho medo por sua alma, mas sobretudo pelas pessoas da terra que dependem de você.

Prometa-me cuidar bem dos marinheiros do planeta, que se sobrepõem e passam nas tuas águas. De minha parte te prometo minha lealdade eterna, prometo falar bem de você e louvar sua beleza, sua disciplina, tuas cores e, sobretudo, teus habitantes. Eu falarei da sua força, mas também da sua fragilidade, direi que você é orgulhoso, mas também modesto e gracioso, mesmo que você seja horrível às vezes, eu te honrarei sempre. Direi que te perdoei todas as brigas, cada humor. Eu implorarei aos meus amigos da terra, à todas as pessoas, que cuidem de você, por nós, por todos os terráqueos.

Pois, nós dois sabemos que pouco importa a sequência da nossa história, apesar de meu amor, vou deixar esse mundo antes de você, de velhice, de doença ou por fuga, como todos meus irmãos humanos. A nós, somente a culpa pelo mal que te fizemos, você poderia ter me arrancado a vida, mas não, me deixou passar, apesar de seus humores mais assustadores. Por isso eu te devo tudo.

Eu falarei de você, direi a que ponto você é belo, a que ponto não nos preocupamos o suficiente com teu destino. Direi que teus pássaros me cortejaram todos os dias, que teu vento é talvez tão doce como uma manhã de primavera e que teu silêncio pode trazer a tona as memórias mais antigas, enterradas nos limites de nossas mentes. Eu tentarei compartilhar com eles a nossa história para seduzi-los. E os fazer te amar, te amar para sempre.

Os seres humanos poderão talvez compreender que o mal que te fazem, fazem a nós mesmos. Pois, após nossa partida e a partida dos pássaros você continuará a consumir as rochas mais duras desse mundo, a abraçar os bancos de areia, a tudo destruir em tua passagem e arrancar as árvores. Você se quebrará em ondas para sempre e se repreenderá para sempre, mesmo que as pessoas da terra não estejam aqui para escutar, com suas orelhas surdas, você fará o ar crepitar na sua superfície e assim criará o som mais belo do mundo, esse da efervescência das tuas águas.