Texto de Georgia Faust.
Assisti, há um tempo, o vídeo ‘Mulheres Donas da Própria Vida’.
Vídeo – Mulheres Donas da Própria Vida.
Esse vídeo é antigo e faz parte de uma campanha pelo fim da violência contra a mulher do campo e da floresta. Achei todo lindo. Porque tem tanto a ver com tantas mulheres que me cercam. Mas não foquei tanto na parte do viver sem violência (apesar de ser o foco da campanha), mas na parte de ser dona da própria história. Pois, vejo tantas de nós tendo dificuldades em assumir as rédeas da própria vida.
Penso, dizendo isso com base no meio em que convivo e milito, que não há coisa mais importante e urgente do que todas nós, mulheres, sermos donas da nossa própria vida. E, ao mesmo tempo, é algo que se torna tão difícil estando dentro de um relacionamento. Até onde nós levamos a sério o: “para o relacionamento dar certo, tem que ceder”? Tão a sério a ponto de sermos as que mais cedem no final das contas, sermos aquelas que deixam a vida pessoal de lado para priorizar a relação. É uma condição tão esperada do feminino essa, a de se esforçar ao extremo para que as coisas deem certo, chegando a nos invisibilizarmos em prol de um relacionamento que muitas vezes já está fadado ao fracasso.
Eu acho que uma relação que me impede de priorizar minhas próprias conquistas não é uma relação que valha a pena ser vivida.
Uma manhã, bem cedo, eu estava correndo e fiquei pensando em meus relacionamentos do passado. Cheguei a conclusão de que eu jamais estaria ali, correndo, super high de endorfinas, exalando felicidade e me sentindo fabulosa, se estivesse ainda junto com qualquer um dos bostas caras com quem me relacionei. Não, amigos, isso não é misandria, quem me conhece ou conhece eles, ou sabe da minha história por cima, sabe também que realmente tive o dedo podre A VIDA INTEIRA. E, claro, meu perfeccionismo e minha mania de viver minhas experiências intensamente faziam com que eu me esforçasse ao máximo para que as coisas dessem certo, e isso incluía o tal do “ceder”. Quando falo dos males do ceder demais e não ter as rédeas da própria vida, acredite, falo de cadeira.
Por isso eu não fiz faculdade quando quis, porque um dos ex não queria que eu estudasse (oi?!?!). Pois é, ele não achava necessário. Estudar para que? Se eu já tinha profissão e emprego? Por isso eu não fiz academia quando quis também, porque ele tinha ciúme dos caras que possivelmente iam ficar me olhando malhar (oi?!?!?). Por isso eu nem comia onde eu queria na praça de alimentação do shopping, porque ele achava que casais unidos de verdade comiam a mesma coisa, no mesmo lugar (oi?!?!?!?!?).
No último relacionamento eu já estava feminista e era uma briga sem fim toda vez que eu queria sair de manhã cedo para treinar. Sempre tinha que escutar chantagem emocional, porque eu gostava mais de correr do que de ficar com ele. Mas, dessa vez eu ia correr mesmo assim. Só que carregando uma culpa infinita nos ombros e fazendo de tudo depois para compensar a minha transgresão de ter abandonado o pobrezinho por uma hora, para fazer uma coisa que me fazia enormemente bem.
Tem um texto, de muitos anos atrás (exatamente de julho de 2009), da Marjorie Rodrigues, que posso dizer que foi o texto feminista que mais mudou a minha vida. Muito mais do que muitos livros que li, muito mais do que ‘Backlash’ da Susan Faludi. Porque esse texto falou diretamente com o meu coração.
Se eu escolhi fazer tal coisa, o ato de escolher faz de mim automaticamente um sujeito.
Por exemplo: “se eu escolhi ser prostituta/stripper/atriz pornô/whatever, se eu fiz isso porque quero, então eu não sou uma mulher objetificada. Eu sou sujeito das minhas ações e quem disser que estou numa posição de passividade ou vulnerabilidade está errado. É paternalista dar a entender que eu sou burra, não sei o que faço ou sou apenas um joguete do patriarcado”.
Eu acho esse ponto de vista TÃO perigoso. Primeiro, porque reduz o feminismo a essa hiper-relativização: I choose my choice, cada um com sua escolha, pronto e acabou, ninguém mete o bedelho na vida de ninguém. É mais ou menos como o pessoal que, numa leitura super torta de algumas obras da antropologia, sai dizendo por aí que a gente não pode condenar a mutilação genital feminina ou a burca ou o infanticídio ou seja lá o que for, porque “assim é a cultura deles”. Ou “assim é a religião deles”. Referência: Da onda feminista: “I choose my choice”.
Então, assim… Guardadas as devidas particularidades, eu acho sim que quando você escolhe colocar sua vida nas mãos de outra pessoa, mesmo que você tenha certeza absoluta de que essa é uma escolha plena e legítima sua, ainda assim, você está se colocando em uma posição de vulnerabilidade que coloca você em risco. E não há nada mais perigoso do que isso.
E muitas vezes, mais vezes do que eu gostaria, esse esforço todo em manter um relacionamento nem é porque casamento é instituição sagrada e tal. É por medo de ficar sozinha mesmo. Queria que todas as mulheres soubessem que ficar sozinha não é tão ruim assim, e muitas vezes vale bem mais a pena. Posso contar nos dedos de uma mão as mulheres que conheço que estejam em relacionamentos que realmente as permita ser elas mesmas, realizar, brilhar, ter objetivos próprios. Mas tento ser otimista e sei que ainda vou estar viva para ver muito mais.