Texto de Vivienne Chen. Tradução de Gui Bueno. Publicado originalmente com o título: “Polyamory is for Rich, Pretty People” no site Medium.com em 08/02/2014.
Nota: esse texto provocou uma boa discussão em nosso grupo de emails, por isso decidimos publicar a tradução. A maioria não concorda 100% com o texto, mas acredita que a interseccionalidade deva ser uma preocupação. Falar de poliamor pode ser elitista, mas acreditar que praticar poliamor é coisa de elite é… elitista. As diferenças entre as dificuldades das lutas em cada classe devem ser observadas sempre, mas podem ser complementares e não sobrepostas. Na prática, quando falamos de poliamor e/ou relações livres, há uma diferença entre a militância, a elaboração da vivência e a vivência em si.
—–
Poliamor é para pessoas ricas e bonitas. Vamos falar de desigualdade de classes, baby.
Com a crescente aparição dos relacionamentos abertos e não-monogâmicos aos olhos públicos, como um tipo de movimento “radical” pela liberdade sexual, a comunidade do Poliamor precisa lidar com um elefante gigante em seu caminho: questões de desigualdade de classes.

Geralmente, eu evito usar a expressão “privilégio”, porque, pessoalmente, sinto que a conversa em torno da “verificação de privilégios” geralmente implica que qualquer atividade, cuja participação seja contaminada pela distribuição desigual de liberdade, seja “inerentemente má” e que não deveria ser feita, com receio de que você “imponha seu privilégio” sobre os outros. (Exemplo: “Hackear a vida (Life-hacking) é um privilégio branco, portanto você não deveria tirar vantagens disso!”) Eu não acho que isso seja verdade, menos ainda para o Poliamor.
Mas, já escutei pessoas dizendo: “Poliamor é para pessoas ricas e bonitas com tempo demais em suas mãos”. Até certo ponto, eu concordo.
Ou seja, alguém que trabalhe por um salário mínimo e sem suporte familiar possivelmente não tem tempo ou recursos para investir no desenvolvimento de múltiplos relacionamentos — se estas pessoas tivessem uma Google Agenda, ela provavelmente estaria preenchida por trabalho ou tempo gasto ajudando membros familiares, não por encontros e jantares. Ter tempo para lazer requer um certo tipo de trabalho e estrutura de vida. Possivelmente, isso significa ser bem-educado e, não vamos fingir que nossas instituições acadêmicas “meritocráticas” adequadamente dão conta da desigualdade sistêmica. Ademais, até certo ponto, o acesso à participação em uma comunidade sexual mais ampla, seja através de festas, reuniões ou simplesmente círculos de Poliamor, requer um certo nível de urbanismo e metronormatividade que exclui as pessoas que não conseguem viver em Nova Iorque, São Francisco ou outros lugares supostamente amigáveis ao Poliamor.
E, francamente, eu às vezes sinto que a “face do Poliamor” em alguns círculos cheira a complexo de superioridade elitista, que projeta a si mesmo como um lugar “exclusivo e especial” para as pessoas “intelecualmente esclarecidas”, “sexualmente libertadas”, decadentes do neo-amor livre. Isso desconsidera os custos da saúde sexual, gravidez, dinheiro e tempo que afetam pessoas sem uma rede de segurança embutida. Portanto, uma festa Poliamorosa pode ser duramente alienadora para um indivíduo da classe trabalhadora não-urbana, principalmente se esse indivíduo for também a única pessoa negra na sala. (Não vamos nem começar a tratar do heterossexismo em comunidades de swing).
Mas, apesar do que eu acredito ser uma crítica muito válida de partes da comunidade do Poliamor – sobretudo as partes que conseguem exposição midiática – como uma pessoa branca e normativa de gênero, eu não acho que isso significa que pessoas da classe trabalhadora não existam (existimos!), ou que o Poliamor seja “ruim” para a justiça social. Só porque alguma coisa requer privilégio para obter sucesso não significa que ela seja uma atividade injusta.
A analogia que eu uso para o Poliamor é viver saudavelmente. Todos sabemos que comer comidas saudáveis é geralmente algo “bom” de se fazer, mas o acesso aos recursos para este estilo de vista pode ser custoso e geograficamente circunscrito. Pagar uma academia pode ser caro a uma pessoa que vive para pagar suas próprias contas, uma após a outra. Comidas industrializadas são baratas e terríveis para você, mas para uma pessoa pobre, pode ser a única opção.
Da mesma forma, a monogamia pode parecer uma escolha bem mais segura a uma pessoa pobre – sem acesso ao controle de natalidade ou a planos de saúde adequados, ter parceiras ou parceiros múltiplos é extremamente custoso quando levamos em conta os riscos de gravidez e de doenças. Há também, é claro, o risco social adicional de estar em uma comunidade conservadora.
Qualquer pessoa que participe do Poliamor DEVE reconhecer que sua habilidade de “ser poli” não é dada — você é uma pessoa absurdamente sortuda por ser capaz de estar em uma posição social (fisicamente, socialmente, financeiramente) onde você pode amar livremente.
Claro, isso não significa que as pessoas não devam ser Poli. Eu não concordo muito com a ideia de que a solução ao abordar privilégios seja, simplesmente, abandonar os privilégios. Alguns privilégios “brancos”, por exemplo, como ser bem tratada por policiais, são coisas que acredito que todas as pessoas devam ter.
Todas as pessoas deviam ser bem tratadas, ter portas abertas para si, hackear as próprias vidas, comer saudavelmente e amar livremente. Todas as pessoas deviam ter acesso à contracepção e suporte a saúde sexual. Todas as pessoas deviam ser capazes de resistir à corrida industrial e ter tempo para se dedicar a amar a si mesma e aos outros.
Então, como as pessoas do Poliamor podem avançar na abordagem da desigualdade de acesso? Eu tenho alguns pensamentos, muitos dos quais são enumerados pela Black Girl Dangerous.
1. Evite dizer que todos são “naturalmente não-monogâmicos”. Também evite evangelizar o poliamor a pessoas não interessadas ou que estão em ambientes extremamente hostis. Mesmo que o argumento da “natureza” seja verdade, o comportamento sexual e romântico pode ser altamente determinado pelo que é permitido, para que essa pessoa sobreviva socialmente. Se sou uma garota jovem crescendo, vamos dizer, em uma família conservadora do sul dos Estados Unidos, a monogamia possivelmente é a única forma de evitar que eu seja condenada como “puta” e deserdada. Eu dou apoio ao interesse de qualquer pessoa no Poliamor, mas não se isso custar sua segurança e bem-estar.
2. Não crie disputas por afeto, promovendo uma economia de escassez entre seus parceiros. Essa é uma atitude idiota muito comum, mas vale repetir: impedir ativamente que seus parceiros ou parceiras vejam outras pessoas, se a VOCÊ for permitido ver outras pessoas (por ciúmes, insegurança, posse, qualquer razão) não é somente uma merda gigantesca, mas também cria uma economia onde as pessoas podem explorar a comunidade do Poliamor, aumentando a desigualdade e reencenando terríveis competições Darwinianas. Parcerias consensuais poli-mono e a poli-fidelidade são, é claro, totalmente OK.
3. Trabalhe ativamente em campanhas pela liberdade sexual e de reprodução para todos, especialmente para aqueles que não podem bancá-las. Apoie o ativismo interseccional que aborda raça, classe, sexualidade e não somente as organizações com os maiores nomes e com as maiores campanhas de relações públicas.
Acima de tudo, na verdade, eu acredito que alguns aspectos do Poliamor podem ser extremamente úteis para que pessoas trabalhadoras e negras resistam às estruturas monogâmicas, capitalistas e exploratórias (#FrederickEngels). Um exemplo rápido, sem acesso ao controle de natalidade, o custo de se ter uma criança sendo um pai ou mãe solteira pode ser menor se este indivíduo possuir uma rede de parceiros, apoiadores e amantes que possam ajudar nos cuidados com a criança.
Mas, para que seja de fato uma comunidade que se alinha a políticas sexuais radicais, o Poliamor precisa incluir causas interseccionais, como classe. O Poliamor precisa reconhecer a sua importância nas vidas de pessoas de classe baixa e abrir espaço para esta classe em sua cultura, a fim de que verdadeiramente possa se dizer um movimento sobre liberdade, liberação e justiça.
Textos adicionais
[+] 9 Strategies For Non-Oppressive Polyamory. Por Janani Balasubramanian.
[+] Poly Patao Productions. Produtora dedicada à produção de oficinas de sexo positivo, peças de teatro com performance, festas, ecnontros, painéis de discussão, ensinamentos e oportunidades educativas especificamente voltadas para mulheres queer, transgêneras, multi-gênero, genderqueer e pessoas que não estão em conformidade com o sexo ou gênero que lhes foi designado.
Autora
Vivienne Chen é jornalista freelancer e ativista na área de gênero e sexualidade.
Tradutor
Gui Bueno ainda não descobriu o que fazer com seu diploma de comunicação, então se concentra em dar aulas de inglês e cozinhar veganices.