As questões difíceis enfrentadas pelas pessoas pró-escolha atualmente

Texto de Eva Wiseman. Tradução de Bia Cardoso. Publicado originalmente com o título: ‘The tough questions being faced by today’s pro-choicers‘ no site do jornal The Guardian em 18/05/2014.

Uma modelo disse que ia fazer um aborto para entrar no Big Brother; uma mulher filmou seu próprio aborto e o colocou no YouTube … Pessoas a favor da legalização do aborto estão enfrentando algumas verdades desconfortáveis.

Ativistas pró-escolha numa manifestação. Foto de Peter Muhly/AFP/Getty. Images
Ativistas pró-escolha numa manifestação. Foto de Peter Muhly/AFP/Getty Images.

O que significa ser a favor do aborto? O que significa hoje, quase 50 anos após a aprovação da Lei do Aborto, dizer que apoiamos o direito de uma mulher decidir se quer ou não continuar com uma gravidez? Eu pergunto porque, cada vez mais, mesmo entre aquelas pessoas que dizem ser a favor do aborto, aquelas que abordam os manifestantes nas portas das clínicas Marie Stopes, aquelas que podem ter feito abortos, parece haver alguma confusão.

Quando, no final de abril, a aspirante a modelo glamourosa, mãe de dois filhos, Josie Cunningham disse ao Sunday Mirror que estava planejando fazer um aborto para garantir sua vaga no Big Brother, houve tumulto suave. A primeira resposta foi de leitores do Sunday Mirror, 93% dos quais disseram que iriam boicotar o Big Brother se ela aparecesse no programa, mas a raiva — e blogueiros, quando não estavam prometendo orar por ela, estavam destilando seu ódio — se espalhou rapidamente. Ela recebeu ameaças de morte; alguém disse que ia jogar ácido em seu rosto; ela foi convidada a cometer suicídio. Esses comentários estavam ao lado de tweets nauseantes de médicos gabaritados e comentaristas liberais. Cunningham mudou de idéia: “Eu não tive resposta dos responsáveis pelo Big Brother, mas não estou chateada, tenho propostas melhores em vista. Estou em negociações para ter meu próprio programa. Vai ser um misto de Keeping Up with the Kardashians e Jeremy Kyle.

Uma semana depois, o vídeo de um aborto tornou-se viral no YouTube. O vídeo, feito pela conselheira de abortos, Emily Letts, 25 anos de idade, concentra-se em seu rosto enquanto ela respira, calmamente, durante o procedimento de curta duração. No final, ela diz: “Eu me sinto bem”. “Falamos tanto sobre aborto”, explicou ela, “mas a maioria das pessoas ainda não sabe com o que ele realmente se parece”. O vídeo foi visto mais de 1,5 milhão de vezes. “As mulheres dizem: ‘É claro que todo mundo se sente mal com isso, é claro que todo mundo se sente culpado”, como se fosse um dado”, diz ela no vídeo. “Eu não me sinto como uma pessoa má, eu não me sinto triste… Eu sabia que o que ia fazer era certo, porque era o melhor para mim”.

Mais uma vez, a reação foi feroz — tanto de manifestantes anti-aborto (alguns responderam ao vídeo de Letts queimando fotos dela; as mensagens eram tão agressivas que o YouTube desabilitou os comentários) como daqueles que são apaixonadamente pró-escolha. Dina Rickman, do jornal The Telegraph, escreveu: “Eu não estou negando que há muitas coisas que precisamos desmistificar. Eu só acho que essas conversas não devem envolver o YouTube. Para mim, o vídeo mostra que há alguns tabus que simplesmente não precisamos quebrar”.

O que acho? Essas reações têm ilustrado um fosso cada vez maior entre a teoria de ser pró-escolha e a vida real, do dia-a-dia “Oh merda … oh bem” do aborto. O verdadeiro ônibus até a clínica, o movimento real de folhear rapidamente a revista Look na sala de espera, o sanduíche de atum real depois do procedimento, os emoticons verdadeiros para os amigos. Dos 185.122 abortos reais feitos na Inglaterra e no País de Gales a cada ano alguns são esmagadoramente tristes, alguns são complicados, alguns são um enorme, enorme alívio e, alguns deles fizeram tudo ficar melhor. Como uma pessoa se sente sobre o aborto (e, também sobre nascimentos) depende de vários fatores como sua família, seu relacionamento, trabalho, idade, religião, educação, as reações das pessoas ao seu redor. Cada história sobre aborto é diferente, e algumas delas são positivas.

Estes dois casos trouxeram à tona verdades desconfortáveis ​​sobre os sentimentos de muitas pessoas pró-escolha. Suas opiniões mostraram que muitos acreditam que não somente há razões certas ou erradas para se fazer um aborto, como também expressaram que as decisões (legais) das mulheres estão disponíveis para julgamentos.

“Ah se Josie tivesse ficado calada sobre sua gravidez”, você pode sentir as pessoas murmurando, “ao invés de usá-la para continuar sua carreira, se ela tivesse sido talvez um pouquinho estuprada, se ela tivesse expressado vergonha”. Talvez, se Emily Letts tivesse chorado, só um pouco, então, talvez nossa armadura liberal ainda estaria intacta. Não há razões certas ou erradas para uma mulher fazer um aborto e, não há maneira certa ou errada para definir como ela se sente sobre isso. Para quem é a favor da plena decisão da mulher em relação ao aborto, não deveria haver confusão sobre isso.

Autora

Eva Wiseman é editora da revista The Observer. No twitter: @EvaWiseman.