Eu também sou ativista!

Texto de Alexander Brasil.

Perguntam-me como anda a minha militância, perguntam-me como anda o meu ativismo. Respondo-lhes: andam bem, obrigado. Às vezes com muleta, às vezes com um pé só, às vezes às avessas, dando cambalhotas, ou fazendo peripécias. A minha luta é diária, silenciosa e mesquinha.

Quadro, óleo sobre tela, 'Garçon a la pipe' (Rapaz com cachimbo) de Picasso, 1905.
Quadro, óleo sobre tela, ‘Garçon a la pipe’ (Rapaz com cachimbo) de Picasso, 1905.

Confesso publicamente o meu egoísmo e a minha mesquinharia: não consigo ir a esses eventos de ativismo (palestras, debates e afins) e ficar ali, sentado, assistindo um PhD em Qualquer Coisa falar durante uma hora e meia sobre uma dor que não é a dele. Acho tudo isso muito bonito, poético, altruísta e coisa e tal, mas minha cabeça não suporta tamanho heroísmo acadêmico.

Numa situação dessas, me vejo sentado num museu macabro, observando obras cubistas mais macabras ainda. (Adoro Picasso. Adoro mesmo. Acho o cara um gênio.) Acho impossível suportar todo esse academicismo sem tomar uns bons goles antes. Pior ainda é a Dor na Bunda pós-evento — sim, aquela que te dá após você ficar horas e horas e horas sentado. O famoso sintoma daqueles que levam um bruto Picasso no rabo.

Sou tido como arrogante nesse tipo de evento: não sei contar a minha história de vida e sensibilizar os outros; não sei sorrir e ser simpático, um exemplo de ser humano. A minha história de vida é marginalizada, bruta e visceral. A minha história de vida é humana.

Esses dias dei uma entrevista para Thais Sabino, do Portal Terra. A moça foi supersimpática comigo, me tratou com um puta respeito e um senso de humor de outro mundo durante a entrevista toda – que se deu por telefone. E todos sabem que eu odeio falar por telefone.

Conversa vai e conversa vem, todas as perguntas são sobre uma única coisa: o fato de eu ser trans*. Não fiquei chateado, pois essa era a temática da entrevista. Por outro lado, no meio da conversa, Thais me perguntou qual era meu objetivo de vida e o que diabos me salvou do suicídio. Ali estavam duas questões importantes e humanas, fora de pauta. Ali estava eu, contando coisas íntimas para uma pessoa que eu acabara de conhecer via telefone. Eu poderia simplesmente não responder às perguntas, mas o silêncio era uma resposta impossível diante das perguntas feitas da maneira mais humana possível. Dei a entrevista com o maior prazer do mundo.

Em contrapartida, esqueço todo o prazer que sinto ao responder perguntas de gente curiosa e inteligente quando escuto fulaninho cagandinho ignorância pela boca com perguntas como: “mas como será que é?”, “como você transa?”, etc., etc., etc. Aos quinze anos, ouvi de uma Conselheira Tutelar o seguinte discurso: “você nunca vai ser um homem de verdade. Mulher nenhuma vai amar você desse jeito, sem pinto… ”. Meus pais, que estavam presentes no momento, apenas se calaram e assentiram com a cabeça. Eu, que nessa idade já havia desistido da minha idoneidade moral, soltei: “você não anda com a sua buceta na testa pra dizer que é mulher, né?”.

Eu trepo como se trepa.
Eu mijo como se mija.
E eu sou tão escatológico quanto qualquer outro ser humano.

Estou cada vez mais certo de que pessoas são muito mais do que órgãos sexuais – salvo aquelas que por si só já têm cara de cu. Admiro e respeito aqueles que conseguem lidar com o academicismo, a Dor na Bunda pós-evento e o caga-regrismo do ativismo. De fato, a parte mais bonita desses eventos todos é ver o sorriso na cara e a lágrima nos olhos daqueles que enchem o peito e dizem: “Eu sou ativista!”.

Eu também sou ativista – e digo isso com um puta sorriso na cara.
A minha luta é a luta da Arte e do Amor.
A minha luta é a luta da vadiagem e da boemia.
A minha luta é a luta dos rebeldes e das vadias.
A minha luta é a Minha luta e a Sua luta.

Autor

Alexander Brasil tem 16 anos. É ariano, homem trans*, heterossexual-pouco-praticante, poète maudit, preguiçoso e escapista. Tumblr: Baile dos Enforcados.