Texto de Bia Cardoso e Patricia Guedes.
Em março desse ano, escrevi nesse espaço sobre um caso de lesbofobia ocorrido no Balaio Café, conhecido ponto de encontro LGBT na cidade de Brasília: Em Brasília, a lesbofobia não passará! Na terça-feira dessa semana, o Balaio Café foi interditado, lacrado e multado sob a alegação de poluição sonora. O local é um conhecido reduto político e cultural de Brasília, especialmente de minorias historicamente discriminadas.
Segundo a proprietária do local, Jul Pagul, o documento apresentado pelos agentes do IBRAM (Instituto Brasília Ambiental) e pela Polícia Civil não contem data e nem horário das medições do suposto flagrante. No mesmo dia estava marcado o lançamento do livro “Tempo bom, tempo ruim” do deputado federal Jean Wyllys. O evento acabou se transformando num ato de resistência e luta pela vida cultural em Brasília e contra o preconceito.
Segundo Jean Wyllys: “A interdição talvez tenha enchido de esperança aqueles que desejam a minha derrota. Mas como não sou homem de se deixar derrotar, optei por fazer o lançamento na praça em frente ao Balaio Café e, para a surpresa dos que desejavam me calar, o evento foi um super-sucesso! O lançamento virou um ato de resistência à interdição do Balaio Café, pois todos sabemos que este é a tribuna das minorias, dos artistas alternativos, dos intelectuais de esquerda e da juventude libertária!”.

Não apenas esse ano, mas já há algum tempo, o governo do Distrito Federal vem endurecendo suas leis em relação a bares e locais de lazer que tem autorização para usar som mecânico e música ao vivo, mas não tem estrutura acústica fechada. Além disso, é muito comum moradores próximos a esses comércios fazerem abaixo-assinados e até mesmo entrarem com ações na justiça contra esses estabelecimentos alegando barulho e perturbação da paz.
Conviver em sociedade não é simples e as pessoas tem o direito de não conviverem com altos índices de barulho. Porém, o espaço público, as ruas, os locais de encontro, também são importantes para manter uma cidade viva, para mostrar como vivem seus moradores e para resistir as opressões sociais.
Particularmente em Brasília — uma cidade com geometria e funcionamento atípicos em relação a todas as cidades do mundo — espaços como o Balaio Café são primordiais para promover um diálogo entre espaços públicos e privados, no lugar da dicotomia existente hoje, na cidade como um todo. Portanto, o ideal seria um entendimento coletivo, mas num mundo tão individualizado, isso está ficando difícil de ocorrer. Fora que, interditar bares sempre traz benefícios para o Estado, nem que seja na cobrança de multas.
A repressão segue cada vez maior nesse período de Copa do Mundo. Outros dez estabelecimentos também receberam a visita do IBRAM e da Polícia Civil, coincidentemente, seus donos apoiam o movimento “Quem desligou o som?”, que questiona a atual Lei do Silêncio que vigora no Distrito Federal. Há relatos de que em Brasília pessoas que estiveram em manifestações contra a Copa do Mundo foram procuradas por policiais que se passaram por oficiais de justiça do TSE. Foram revistados, como um aviso. No Rio de Janeiro, há notícias de detenções preventivas de militantes.
Um local como o Balaio Café incomoda. Não apenas pela alegada poluição sonora, mas por ser um espaço de resistência e de celebração da diversidade. Em março de 2014, a gestora da Casa dos Prazeres (como o Balaio Café é conhecido por seus frequentadores) foi a uma audiência na instância criminal da Justiça responder à acusação do crime de perturbação da ordem. Na ocasião, a autora da ação, moradora da quadra vizinha ao Café, alegou que:
1) haveria música de “macumba” num dia em que o bar enche de preto;
2) não teria onde estacionar (a rua do Balaio tem várias lojas e estabelecimentos comerciais de diversos segmentos e horários de funcionamento);
3) não queria ver relações homoafetivas próximas à sua residência;
4) existiriam mulheres usando shorts;
5) houve a festa do 8 de março, Dia Internacional da Mulher;
6) os frequentadores seriam de um nicho de gente que, por circularem próximos à residência dela, desvalorizariam o imóvel onde ela mora;
7) ela iria acabar com “a raça” da gestora do Balaio.
O Balaio Café não apenas é uma estabelecimento comercial, também é uma Casa de Cultura. Onde se apoia, articula e fomenta muitas linguagens criativas e artísticas. Diversas ações arbitrárias já foram impetradas contra o local. O poder publico chegou ao extremo de dar voz de prisão a trabalhadoras da casa e violentar trabalhadores da música que se apresentavam no local em abril desse ano.
Vivemos dias de máxima repressão, mas o ato de terça-feira mostrou que as pessoas estão prontas para resistir. Em Brasília e também em outros locais. #BalaioResiste
[+] Assine a petição da Avaaz em apoio ao Balaio Café.
[+] Balaio Café. Por Yaso.
[+] Café é interditado antes de lançamento de livro de Jean Wyllys.