Copa do Mundo e objetificação dos jogadores

Texto de Camilla de Magalhães Gomes.

Sim, é verdade. Ao lado dos jogos da Copa do Mundo, outro esporte tem sido bastante praticado nas redes sociais pelas mulheres (e pelos gays também, claro): a objetificação dos jogadores.

Já perdi a conta de quantos perfis no Twitter, tumblrs, páginas de Facebook, links da grande mídia ou simplesmente a objetificação moleque de uma amiga mandando imagens para outra anda rolando desde que, inaugurando a festa, Hulk entrou em campo.

Matéria do Portal UOL que compara as medidas do bumbum do jogador brasileiro Hulk ao de outras mulheres famosas.
Matéria do Portal UOL que compara as medidas do bumbum do jogador brasileiro Hulk ao de outras mulheres famosas. Foto de Adriano Vizoni/Folhapress.

A “umidade” em Manaus no jogo entre Inglaterra e Itália, as camisas justinhas da Puma fazendo Diego Forlán e Didier Drogba ainda mais falados, além da tristeza em se despedir da beleza que é a seleção da Espanha (a seleção, porque o futebol…).

“Mas que diabos essas feministas que tanto brigam contra a objetificação dos corpos das mulheres acham que estão fazendo? Que incoerência! Quanta contradição e hipocrisia!”

Hum… não. Not really. Esse desejo e essa liberdade em poder gostar — e assim poder dizer — de corpos, rostos, cores, cabelos e o que quer que seja nos homens (e nas mulheres), as mulheres ganharam não tem muito tempo. A liberdade em ter e mostrar desejo,  mais ainda, a liberdade de viver qualquer que seja esse desejo, as mulheres só começaram a viver há algumas poucas décadas.

As mulheres não querem “virar o jogo”. Não vamos vender cerveja com a bunda do Hulk. Não vamos colocar o Xabi Alonso ao lado de um modelo novo de BMW na feira do automóvel. Não vamos criar editoriais de moda simulando um estupro contra o Ochoa. Não vamos fazer rodar as fotos dos jogadores da Croácia flagrados nus, acompanhadas de qualquer tipo de comentário sobre a vida sexual dos moços.

Ou alguém viu algum: “Vagabundo”, “Puto”, “Piranho”, “Tá pedindo”, nas fotos dos jogadores croatas nus? Ou naquela foto do torcedor inglês que ficou nu no estádio em Manaus? Não, ninguém viu. Nem vai ver porque nenhum desses xingamentos sequer faz sentido no masculino. Pois é.

Em cada notícia, mesmo nessas de “top não sei quantos dos mais lindos do futebol”, os nomes desses jogadores, sua função e o time para o qual jogam continuarão aparecendo. Eles não terão apenas a bunda fotografada e postada com dizeres como: “namorada de fulano”, “gostosa da copa”, “os bumbuns mais lindos da Copa”, ocultando nomes e rostos, nesse “jornalismo” açougue que anda por aí todos os dias. Basta clicar em qualquer portal ou site de notícias.

Uma observação, abandonei de vez o nome “jornalismo punheteiro”. Porque soa meio moralista a associação negativa que se faz da masturbação com esse tipo de atividade machista tão comum no jornalismo e, mais ainda, no jornalismo esportivo.

Tweet de @joaoluisjr.
Tweet de @joaoluisjr.

Não, não vamos passar a publicar fotos de Gerard Piqué com a legenda: “o namorado de Shakira” ao invés de seu nome, como costuma ser a regra ao se noticiar sobre qualquer mulher que tenha algum dia passado perto de um famoso, até mesmo quando o tema da notícia é algo relacionado a ela e nada tenha a ver com o famoso.

Não haverá — nem há a menor chance de que possa haver — uma inversão que coloque os homens nessa posição invisibilizada e objetificada a partir dessas falas que tem circulado por aí — e que não são nenhuma novidade. Nesse contexto de uma sociedade machista, sabemos que isso não acontecerá e que mesmo o peso desse “desejo” feminino publicizado é outro: é mais fácil que qualquer mulher que o faça seja criticada por ser “fácil”, “safada”, “vagabunda”, “é isso que mancha a imagem do Brasil lá fora”; do que ela venha a transformar o homem no objeto d(n)a história. É assim que o machismo joga um dos seus jogos mais famosos: a culpabilização da mulher.

Talvez seja, sim, incômodo que feministas usem da objetificação dos corpos masculinos. Não sei. Vez ou outra isso me incomoda também. Mas eu nem sei se, tirada a invisibilização, a despersonificação e o apagamento da identidade que vem associados com a objetificação das mulheres, podemos chamar isso que se tem feito por aí com os homens de objetificação.

E, vamos combinar, nem Milton Leite, narrador do canal Sportv, resistiu à barba de Xabi Alonso.

+ Sobre o assunto:

[+] A participação das mulheres na mídia brasileira na Copa. Por Carmen Rial.

[+] Copa do Mundo, torneio de homens? Por Marília Moschkovich no Outras Palavras.

[+] Lugar de mulher é na Copa. Por Cristina Charão no Impedimento.

[+] Musa não joga, não torce e não apita. Por Jarid Arraes na Fórum.

[+] A bunda de Hulk. Por Gabi Machado na Revista 21.

[+] A Copa e a culpa: o incômodo desejo feminino. Por Juliana Freitas.