O que será uma Universidade?

Texto de Jussara Lopes para as Blogueiras Feministas.

Nos últimos anos, assistimos à reconfiguração e expansão do ensino superior no Brasil, cujo crescimento é controverso e paradoxal. Se, de um lado, proporciona o acesso de grupos historicamente excluídos no espaço acadêmico, por outro, se efetiva de forma cada vez mais precária e empobrecida. As instituições privadas transformaram a educação superior em mercadoria, e vendem uma formação cada vez mais voltada para o mercado de trabalho, em detrimento da construção de conhecimento crítico e totalizante. Outrossim, as universidades públicas estão cada vez mais sucateadas, vivenciando a escassez de recursos, penalizando trabalhadoras e trabalhadores, se expandindo sem qualidade.

Toda a complexidade desse contexto, no qual o ensino superior brasileiro se insere, nos leva a refletir sobre os rumos da universidade, bem como o seu papel nesse processo. Nos últimos dias, pude testemunhar três acontecimentos que me fizeram acreditar que ainda podemos ter esperança em uma reconfiguração desse quadro.

À esquerda, cartaz com a programação da I Calourada Preta. À direita, cartaz da Oficina de Siririca.
À esquerda, cartaz com a programação da I Calourada Preta. À direita, cartaz da Oficina de Siririca.

Primeiro, no dia 12 de setembro, aconteceu a I Calourada Preta, organizada conjuntamente por discentes do Instituto de Ciências Humanas – ICHS e Instituto de Ciências Sociais Aplicadas – ICSA da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP. O evento também teve por objetivo apoiar o Núcleo de Estudos AfroBrasileiros – NEAB da UFOP, frente a uma ameaça de mudança de sala que comprometeria às suas atividades. Com muita coragem, uma turma de discentes protagonizou uma (re)ação de protesto, debates e, sobretudo, resistência coletiva.

No dia 17 de setembro, no âmbito da Calourada do Serviço Social e Calourada Vermelha, na mesma universidade, aconteceu a polêmica “Oficina de Siririca”. A corajosa e instigante atividade teve como principal objetivo discutir e compartilhar experiências sobre a liberdade sexual das mulheres. Contudo, causou alvoroço nas redes sociais e acabou sendo noticiada em conhecidos portais, como UOL e Catraca Livre. O que mais me assustou foi perceber que o pensamento conservador e reacionário ainda é predominante, o que ficou explícito nos calorosos e inúmeros debates na internet. O perfil de estudantes da UFOP também foi evidenciado, e constatei que boa parte dessas pessoas se alinha com as ideias “coxinhas”, ainda hegemônicas.

No dia 18 de setembro, ao chegar no ICSA, me deparo com sofás, cadeiras, mesas, som e muita gente bonita espalhada no instituto, sentada no chão e nos arredores, em pleno estacionamento. Assim começou o Sarau de Poesia Marginal, também parte da programação da Calourada do Serviço Social e Calourada Vermelha da UFOP. Paralelamente a essa atividade, grafites e pichações são feitas em um dos muros da instituição. Pessoalmente, um momento histórico e marcante em minha trajetória profissional e individual, já que cada vez menos elas se distinguem. Entretanto, mais uma vez a ação foi motivo de polêmica e alvo de muitas críticas. Estudantes dos demais cursos do ICSA e também de outros institutos, assim como ex-estudantes da UFOP, protagonizaram agressivas e até mesmo degradantes discussões nas redes sociais. Alguns alegam vandalismo, falta de respeito, hostilidade, prepotência. Tem gente que até fala em desligamento de discentes, processo administrativo, boletim de ocorrência, polícia.

“Babado, confusão e gritaria…”. De minha parte, fiquei emocionada com a coragem dessas pessoas, de todas as idades, que com muita audácia organizaram e foram protagonistas nessas (re)ações. São iniciativas como essas, a Calourada Preta, a Oficina de Siririca, o Sarau Marginal e as pichações e grafites, assim como todas as outras que sem dúvida virão, que me fazem acreditar que estamos, à custa de muita luta , colorindo e mudando a cara da Universidade…

Embora ocupe a posição de professora, cada vez mais sou eu quem aprende com essas manifestações e com as pessoas que as organizam.

Autora

Jussara Lopes é uma jovem revolucionária, mulher, negra e trabalhadora. Atualmente, está professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP. Para contato: Facebook.